Crónica: Sem carros, com chuva, e de alma ferida

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Cronistas da MulherPortuguesa
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O que se esperava ser um dia solarengo, com pessoas a irem para o trabalho de bicicleta, acabou por ter um cenário bem diferente. Muita chuva, ameaças de bomba, sem carros e algumas peças de roupa encharcada.

Não me levantei muito bem disposta! Não sei porquê, ou se calhar até sei e não quero admitir!

Sem carros e com chuva

A verdade é que a carga de água que caía lá fora, e a escuridão que vestia a rua de negro, igualmente repleta de viaturas, não ajudou muito a melhorar o meu mau humor. Sem dúvida que se circulava melhor em Lisboa do que em qualquer outro dia comum, mas ter que estar já a andar apetrechada com um chapéu de chuva não é bem um desejo pessoal, e muito menos ser desta forma tão imediata. Caramba! Ainda há dias as temperaturas prometiam muito sol!

Por isso, na sexta feira, todos nós estivemos em risco de levar com um banho de água, como foi o meu caso, porque os senhores automobilistas que circulavam por Lisboa achavam por bem aproximar-se demasiado ao passeio. Resultado: além do banho que tomei de manhã, ainda tive que me aguentar à bronca e ficar com as calças encharcadas de um banho made in Cais do Sodré!

Ainda que não houvesse o corrupio habitual àquela hora da manhã, verificava-se que os portugueses são pessoas que se regem muito pelos primeiros sinais de mudança de tempo, sim senhora, ainda que estes nem sempre sejam verdadeiros. Porquê?

Porque a quantidade de pessoas com roupas de Inverno que se aglomeravam nos transportes, já com os vidros embaciados e sem passar um fio de ar, era impressionante. Ao mínimo sinal de chuva ou de Inverno, embora, caso não saibam, haja ainda outra estação pelo meio, os portugueses são peritos em trazer logo os seus casacos, camisolas de gola alta ou gabardines até aos pés. Pronto, está a chover, mas o Inverno ainda não nos bateu à porta!

Era igualmente notório o silêncio em algumas zonas de Lisboa, que as buzinas dos taxis ou dos transportes públicos faziam questão em quebrar, e chegou mesmo a dar vontade que esta iniciativa decorresse muitas mais vezes. Porém, continuo a não compreender o motivo porque João Soares, por exemplo, adepto da utilização dos transportes públicos, continua a deslocar-se num automóvel. Necessidade de conforto pessoal ou falsas demagogias?

Sexta feira ficou ainda assinalada por uma ameaça de bomba no Terreiro do Paço, nomeadamente nas estações que fazem a ligação entre Lisboa-Barreiro. Durante hora e meia teve que haver o encerramento do edifico, assim como os barcos que fazem a ligação do Barreiro foram desviados para o pontão do Montijo. Esta foi mais uma brincadeira de um (ns) ‘maluco (s)’, sem nada para fazer, e que se divertem causando o pânico entre as pessoas.

No dia em que os transportes representavam uma importância primordial para a deslocação das pessoas para os seus trabalhos, esta ameaça de bomba, como devem calcular, instalou a confusão. Uns julgaram ser brincadeira, outros pensaram que, quem sabe, podia ser verdade, e houve mesmo aqueles que aproveitaram para dormir um pouco mais.

Aos poucos, as ameaças de bomba começam a ser uma constante no nosso país. Amoreiras ou o Átrio do Saldanha foram apenas dois dos sítios que sofreram ameaças de bomba recentemente. Os paranóicos que se divertem com estas ameaças devem estar, algures, a pensar numa nova táctica para instalar o pânico, qual filme de Hollywood “Ataque à capital portuguesa”.

È miserável e degradante como se consegue brincar com situações deste género, e fazer com que a tragédia americana sirva para inspirar os loucos que, em Portugal, diga-se de passagem, não são poucos.

Estão é camuflados! Talvez a forte chuvada lhes tenha lavado um pouco mente, e limpo as ideias maldosas que assolam estes cérebros maníacos, sem qualquer escrúpulo ou respeito pela vida e dignidade humana.

Semana e meia, sensivelmente, após a América e o mundo terem acordado com um dos cenários mais negros de que há memória, o dia sem carros é uma vitória quase insignificante perante o caos que se prepara para ser instalado no mundo. A disciplina e a aderência dos portugueses foi notória, tal como sucedeu o ano passado e, durante dois dias, Lisboa, mais 51 cidades e vilas, aderiram às solicitações em deixar o carro à porta da sua casa.

Esta é a prova de que os apelos diplomáticos podem surtir êxito, e que um povo consegue unir-se para uma campanha como esta. Mas, a prova fulcral da união de um povo passa por feitos muito mais amplos e humanos. Portugal, tal como os restantes países europeus, devem unir-se, não só para iniciativas deste género, como também para receber a paz, afastar a guerra, e combater o terrorismo.

Se todos, ou quase todos, nos conseguirmos unir para campanhas deste âmbito, certamente o conseguiremos fazer também para causas humanitárias, que permitam a defesa de vidas humanas, celebrar a paz no mundo, e levar mais além, na sua plenitude, todos os direitos inerentes aos seres humanos.

Estes dois dias sem carros, realidade que nada tem a ver com a tragédia americana que abalou o mundo, podem servir de exemplo para perceber que o desejo de um povo, totalmente unido, é bem mais forte do que qualquer outra coisa. O problema aqui é que nem todos entendem o significado dos direitos humanos, e a beleza que existe no prazer de viver e deixar os outros viverem.

O problema maior é que a chuva que lavou as ruas não conseguiu lavar a alma do mundo inteiro que, estupefacto, assistiu à barbaridade ocorrida na América. O dia sem carros foi uma vitória nacional, que alcançou os seus objectivos, mas a vitória do mundo sobre a paz vai muito mais além disso. Espero que o futuro do nosso país, e do mundo inteiro, seja bem mais luminoso e brilhante do que a chuva e escuridão que vestiram Lisboa no dia de sexta feira.

Pelo menos assim o espero eu, e todas as pessoas de bom senso, ávidas de fazer valer os direitos e liberdade humanas em todos os recantos do mundo!

Cronista da Mulher Portuguesa: Ana Amante

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