Crónica: O espectáculo cadavérico

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Cronistas da MulherPortuguesa
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Há notícias realmente insólitas, e esta é uma delas. A exposição de cadáveres, patente em Berlim até há alguns dias atrás, foi um autêntico delírio. A paixão pelos mortos será mais forte do que pelos vivos?

Exposição de cadáveres

Parece-me coisa de loucos, mas isto aconteceu em Berlim, na semana passada. Uma exposição de cadáveres registou um número estrondoso de visitas, o que fez com que pessoas estivessem na fila de espera durante várias horas.

Como se isso não bastasse, o preço dos bilhetes ultrapassava os 2 mil escudos, mas ninguém parecia importar-se com isso, dada a procura que a exposição registou. Não sei muito bem o que isto significa: se a paixão pelos mortos é maior do que pelos vivos, ou se as pessoas simplesmente adoram uma boa ocasião macabra.

Perante a afluência de pessoas, as bilheteiras viram-se obrigadas a não fecharem, chegando a registar-se um número de quatro mil visitantes por noite, tendo no último dia a exposição sido visitada por mais de 15 mil pessoas.

Já percorrendo diversos locais da Alemanha, esta exposição tem estado a ser motivo de inúmeras discussões há alguns anos, por forma a perceber de que forma os mortos fascinam tanto os humanos.

Claro que se fosse em Portugal, as televisões fariam ligações directas ao local de cinco em cinco minutos. Pronto, mais uma fórmula para ganhar audiências: a morte.

Os corpos que a exposição apresenta foram submetidos à técnica da plastinação, na qual a água e gordura dos tecidos é substituída por silicone ou poliester, o que permite que o corpo fique com o seu aspecto natural, sem qualquer cheiro, e com tudo à mostra (os músculos, nervos, e restantes órgãos, entenda-se!). Ainda assim, impressiona-me a importância que as pessoas dão a este género de ‘sensacionalismo cadavérico’.

Lógico que as pessoas devem querer saber como ficam depois de mortas, mas as ilações não são as melhores: ao olhar para o corpo de uma mulher deve pensar- ‘Minha nossa, quantos rios de dinheiro não gastaria ela em lipoaspirações para agora ficar assim…’. É verdade!

O interessante da ‘coisa’ (da exposição, entenda-se) é que os corpos estão sempre numa determinada pose ou a executar alguma tarefa. Imaginemos daqui a muitas décadas, e com o devido respeito pelas pessoas que agora vou mencionar, algumas figuras em poses históricas: a Lili Caneças a fazer o seu peeling, o Marco Paulo com o microfone numa das mãos, simulando a passagem para a outra mão, o João Baião aos pulos, a Manuela Moura Guedes de boca aberta, enorme, ou a Teresa Guilherme, com um rosto marcante, mas do qual apenas sobressaíam, à primeira vista, os dentes. Bem, mas isso agora também não interessa nada, não é?

Imaginemos a popularidade de uma exposição deste teor em Portugal, qual Big Brother 3, Filha do Mar, ou A Ilha da Tentação. Custa-me, no entanto, a compreender o fascínio por estas coisas, e a perceber a fronteira entre a loucura e a arte. Será esta exposição uma forma de arte? Ou será o ser humano louco por natureza e, por isso, é que aprecia este tipo de coisas?

Ou será, ainda, isto tudo uma questão de cultura, que nós, os mais conservadores, não compreendemos? Morre-se e acaba a vida, ou as pessoas quererão estar a expor o seu corpo anónimo a umas quantas pessoas desconhecidas? E se fosse o corpo de alguém seu conhecido, de um pai, marido, avó?

Dou por mim a pensar o que seria ver cartazes desta exposição afixados em pleno Rossio, nas paragens de autocarro, ou numa qualquer revista, do tipo Super Máxim.

O choque total! Mas, e como muitos são levados pelas ideias de uma elite, também poderia acontecer uma verdadeira romaria ao evento, assim com a marmita ao lado e um garrafão de vinho, porque as horas de espera são muitas. Ah! Claro!

E nunca esquecer o telemóvel, que embora já não seja uma marca de elite, é um símbolo verdadeiramente português ou não fôssemos nós o país da Europa onde mais se fazem ouvir aqueles barulhos irritantes.

Há também que ter em conta o comportamento no interior da exposição. Mesmo que estivessem afixados dezenas de letreiros a dizer ‘Não Mexer’, era impossível o português não tocar. Sim, porque nós, portugueses, vemos com as mãos e não com os olhos!

No interior da exposição, seria de salientar também a curiosidade dos mais novos. Nem sempre com perguntas fáceis, seria de esperar ver-se o pai a ‘empurrar’ a criança para a mãe, e vice versa.

As típicas correrias das crianças seriam uma constante, a falta de educação dos mais velhos também, e respeitar o lugar na fila de espera, certamente, não seria muito comum, até porque as boas maneiras e educação nem sempre fazem parte do nosso dicionário social. Portanto, a confusão geral!

Seria também de esperar o ilustre aparecimento de quatro ou cinco comentadores de televisão, a dar as palestras do costume, dando a sua opinião pessoal, quando ninguém está muito interessado em ouvi-las, até porque a opinião de um povo inteiro não vem da boca ou mente desses comentadores.

E, como sempre tivemos uma grande facilidade em aceitar o que vem lá de fora, acredito que receberíamos esta exposição, tanto a plebe como a elite, com a maior das curiosidades.

Claro que o corpo de um homem/mulher consegue mover ‘mundos’, mas nunca julguei que um corpo já morto conseguisse provocar tanta excitação.

Enfim, gostos, posições (quanto ao assunto, entenda-se) e opiniões devem ser respeitadas, mas isto, a meu ver, é o cúmulo do sensacionalismo em formato cadavérico. Tem o seu lado interessante, mas não deixa de ser algo, no mínimo, macabro! Não concordam?

Cronista da Mulher Portuguesa: Ana Amante

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