Os sobredotados na legislação, algumas incongruências

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Os sobredotados na legislação
Os sobredotados na legislação

Os sobredotados na legislação: comecemos pela definição/sinalização referida no artigo 11 do anteprojecto, que refere no ponto 2 que “A sinalização incide igualmente sobre crianças e jovens sobredotados, no sentido de identificar, nomeadamente as excepcionais capacidades de aprendizagem e um adequado grau de maturidade ou as especiais aptidões para determinadas aprendizagens” enquanto que no ponto 3 acrescenta “A sinalização efetua-se por iniciativa dos pais ou encarregados de educação ou do educador de infância, professor ou diretor de turma, ou independentemente dessa iniciativa quando a necessidade de sinalização seja notória para as entidades responsáveis”.

Os sobredotados na legislação

Em comparação com a legislação anterior regista-se alguma evolução quanto à referência ao “grau de maturidade”, tendo-se, felizmente, substituído o adjectivo “elevado” por adequado.

Maturidade é uma palavra que merece alguma reflexão, já que o conceito tende a ser entendido vulgarmente como relacionado com a capacidade de ponderadamente se tomar decisões e à aceitação das responsabilidades inerentes.

Por outro lado, em consulta de psicologia parece prevalecer a noção de que a criança é tanto mais matura quanto melhor for a integração com os pares e a autonomia demonstrada.

Mas mais interessante ainda é verificar que em contexto escolar, espaço onde a criança se coloca neste anteprojecto, muitos professores usam a palavra maturidade para indicar a qualidade da postura física de atenção, o empenhamento nas tarefas e a responsabilidade na execução autónoma dos trabalhos. Parece, portanto, fácil instalar-se a confusão e a falta de sintonia entre as diferentes perspectivas.

Qualquer que seja o ponto de vista, parece-nos, que havendo tantos alunos nos diversos níveis e mesmo muitos adultos cujo grau de maturidade é discutível, nesta definição, a utilização de vocabulário mais eficaz e esclarecedor, como por exemplo “… e de se verificar a existência de uma adequação às exigências da realidade escolar”, o que iria naturalmente incluir o comportamento em sala de aula, a integração com os colegas e a autonomia na execução das tarefas.

Sobre as “excepcionais capacidades de aprendizagem” também podem-se tecer vários comentários. Capacidades elevadas, altas ou acima da média definem o sobredotado. Mas quais capacidades? Só as exigidas pelos currículos?

Só as que os professores nesta ou naquela disciplina valorizam neste ou naquele momento da escolaridade? E por que razão discriminar as capacidades que serão úteis na vida activa, e que a escola descura, como por exemplo, a criatividade, a liderança e até a inovação?

Que dizer do adjectivo excepcionais?!!? O que significa excepcionais? Os brasileiros utilizam este termo para se referirem aos deficientes (porque são a excepção, penso eu). Só os génios e, após a concretização e constatação social dos seus feitos, terão as capacidades excepcionais para todas as áreas ou mesmo apenas para algumas. Talvez um Leonardo da Vinci, que é mundialmente considerado o expoente máximo dos sobredotado.

Presumir e exigir que as nossas crianças, de 4 e 5 anos ou ao longo da escolaridade obrigatória apresentem estas capacidades excepcionais, é no mínimo ridículo. Quem as terá, quem terá a veleidade de as apelidar como tal, já que será necessário um vasto conhecimento de casos para julgar, o que não existindo, se reduz o juízo aos resultados da aplicação de testes falíveis e pouco fiáveis.

Não será redutor, já que se é excepcional, significa um num milhão? Teremos apenas, na melhor das hipótese 10 alunos sobredotados, excluindo os adultos que já nem aí cabem!!! Por que razão não ser-realista e indicar “elevada capacidade de aprendizagem”?

Mas afinal, a montanha pariu um rato, como soe dizer-se. Trata-se, afinal, de excepcionais capacidades de aprendizagem. Expressão bizarra. Mas qual aprendizagem, de que tipo, em que contexto?

Neste caso ter-se-á logo que se reduzir apenas à aprendizagem na escola, a aprendizagem que a escola irá exigir no caso de ingresso antecipado na escolaridade? Este texto apenas pode ter sido elaborado por quem desconhece a realidade da (pouca) exigência dos currículos, a sua (mínima) progressão e as (saturantes) repetições além da realidade diária da avaliação de conteúdos, que sob a ditadura das percentagens, cedo é assimilada pelos alunos de que não é preciso fazer grande esforço para se transitar de ano.

Acontece com frequência existir um aluno excepcional (!!??) numa turma onde todos são fraquíssimos, ou um aluno com capacidades excepcionais (!!??) parecer desmotivado, ter notas baixas, ser considerado até com dificuldades, ter aprendido a camuflar ou “nivelar” o seu desempenho com os outros!!! Quem irá sinalizar este aluno?

Os professores que se perdem nesta realidade? Os psicólogos cujas avaliações não são compreendidas na escola, por desajuste vocabular, ou os pais, porventura, os que têm, sobre as reais capacidades da criança ou jovem, melhor e mais fidedigna informação, que se sentem confusos com desempenhos e avaliações díspares? Saúde-se a inclusão no anteprojecto, da participação activa dos pais na avaliação das necessidades educativas especiais dos sobredotados(artº 12, ponto 6).

  • No que concerne a intervenção junto dos sobredotados, neste anteprojecto a confusão cresce. Os sobredotados estão incluídos na educação especial logo são precisos técnicos especializados? Quais? Os habituados à deficiência? Os conhecedores da problemática da sobredotação? Onde estão? Quem os formou? Se não tem havido preocupação em formar nem professores nem os psicólogos nesta área, não existem técnicos especializados para a sobredotação.
  • Serão os sobredotados apenas incluídos no apoio sócio-educatvo, uma vez que os seus problemas são temporários e podem, com adequada orientação, ultrapassar os problemas?
  • Quanto às entidades parceiras, será que as associações desinadas aos sobredotados podem ser incluídas nas instituições de educação especial? Não só não existe referência àquelas, como ao incluir os sobredotados na educação especial a dedução lógica é de que passam a ter esse estatuto.

A aceleração na aprendizagem, volta a emperrar em obstáculos numéricos. Se, conforme o ponto 4 do artº 7, se reconhece a integração prioritária das crianças com idade inferior a cinco anos (!?) na escolaridade obrigatória, e podendo completar os 4 anos do 1º ciclo em apenas três, como é que só têm entrada no 2º ciclo com 9 anos?!? O legislador teria reprovado a Matemática!!!???

Vamos regredir? Saberá o Ministério da Educação quantas centenas de crianças estão actualmente a terminar o 6º ano com 10 anos? Será que não deveria mandar recolher os seus próprios dados e mandar avaliar o êxito desses alunos?

Uma lacuna monumental nesta legislação – os sobredotados na legislação é a referência à formação de professores, quer integrados nas equipas de apoio quer regularmente na sala de aula. Como é habitual neste país, irão surgir por artes mágicas alguns iluminados que virão botar doutas retóricas sobre estes assuntos e o mais provável é que os que mais sabem sobre a temática sejam justamente relegados para as calendas. É típico!!!

Dra. Manuela Freitas

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