Aldeias de Crianças SOS, conheça este projecto por dentro

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Aldeias de crianças SOS
Aldeias de crianças SOS

É provável que já tenha ouvido falar nas Aldeias S.O.S., que acolhem crianças órfãs e abandonadas. No entanto, e isto talvez não saiba, não se trata de um orfanato como os outros. No nosso país existem três, pelo mundo fora, algumas centenas, e mais de 30 mil crianças vivem nestas pequenas aldeias onde têm as suas casas.

Aldeias de Crianças SOS

Para conhecer um pouco melhor este projecto e o funcionamento destas instituições, a Mulher Portuguesa visitou a Aldeia S.O.S. de Bicesse e conversou com a sua directora, a Drª Mª do Céu Correia, que com visível orgulho e dedicação nos contou um pouco da história e dos princípios de funcionamento deste projecto.

A Drª Mª do Céu Correia contou-nos que a primeira Aldeia S.O.S nasceu nas Áustria, há 50 anos, no pós-guerra, uma altura dramática em que havia muitos milhares de crianças órfãs e abandonadas, a viver nas ruas. Hermann Gmeiner, então um jovem estudante de medicina, juntamente com alguns colegas, dedicaram-se a cuidar daquelas crianças, a quem faltava uma família e o afecto necessário para crescerem.

Lembrou-se então de recorrer a senhoras que estivessem disponíveis para serem as mães de pequenos grupos de crianças, reunidos em casas independentes onde se reproduzisse o ambiente familiar. Através de uma campanha de rua, a população austríaca aderiu e foi então possível criar a primeira aldeia, em 1949, perto de Innsbruck.

Este projecto de sucesso rapidamente se alargou a outras cidades austríacas e, pouco tempo mais tarde, aos outros países. Portugal foi dos primeiros a aderir, tendo sido o sexto país em todo o mundo a ter uma Aldeia S.O.S.

Começou também pela iniciativa de um grupo de jovens – entre os quais se encontrava a Drª Mª do Céu Correia- hoje directora da Associação Aldeias S.O.S em Portugal – que procuravam uma alternativa para os tradicionais asilos de crianças.

Estes asilos funcionavam inteiramente em regime de internato, sendo que as crianças tinham lá a escola, as oficinas, a igreja e tudo o resto, provocando uma natural segregação perante a sociedade e prejudicando, mais tarde, a sua re-inserção.

Este grupo de jovens começou por abrir um pequeno lar para meninas, em regime mais aberto que os restantes asilos e foi dois ou três anos depois, durante uma conferência internacional sobre crianças, tivemos conhecimento das Aldeias S.O.S., que considerámos um projecto maravilhoso. Fomos convidados a visitar a Áustria para conhecermos de perto o projecto e o trabalho do Dr. Hermann Gneimer. Foi então que decidimos lançar a obra em Portugal.

Aldeias SOS

A obra foi lançada, há quase quatro décadas, e actualmente temos em Portugal três Aldeias S.O.S., em Bicesse, perto de Lisboa, em Gulpilhares, perto de Vila Nova de Gaia, e na Guarda. Ainda em projecto está uma futura aldeia na zona do Alentejo, de forma a cobrir as necessidades da zona mais a sul do nosso país.

Mas afinal, o que torna as Aldeias S.O.S. tão especiais? De forma simples, a Drª Mª do Céu Correia explicou-nos: A obra assenta em princípios básicos, que correspondem à necessidade de toda a criança ter um lar e ser criada num ambiente de afecto, e isso passa pela presença da mãe e por estar inserida numa família. As crianças não são acolhidas num internato, mas sim em famílias, pequenos lares onde residem 7 ou 8 crianças, com uma senhora que desempenha o papel de mãe adoptiva

 

Os membros de uma casa tipica das Aldeia SOS
Os membros de uma casa tipica das Aldeia SOS

Perante este princípio de funcionamento, as Aldeias S.O.S. são constituídas por pequenos grupos de casas, todas elas independentes, onde vivem as referidas famílias – grupos de 7 ou 8 crianças, e com especial preferência por grupos de irmãos, A instituição tem especial cuidado em receber grupos de irmãos, para que não se separem membros de uma família e possam crescer juntos. Chegamos a ter grupos de 6 ou 7 irmãos, a viverem juntos, em família.

Juntamente com a respectiva “mãe social”, que desempenha todas as tradicionais funções de uma mãe de família, desde os cuidados com a casa até ao acompanhamento e educação das crianças, estas pequenas famílias encontram nas Aldeias S.O.S. um lar.

Estas crianças não vão ser adoptadas nem encaminhadas para famílias de acolhimento – pelo contrário, grande parte delas são exemplos de insucesso tanto em adopção como em acolhimento.

A partir do momento em que vivem numa Aldeia S.O.S., as crianças sabem que encontraram a sua casa, e que ali nunca serão rejeitadas. A instituição é totalmente aberta, e as crianças saem para ir à escola, à igreja, para participarem nos grupos de jovens actividades desportivas, etc., como todas as outras crianças.

Este tipo de regime permite uma fácil inserção social e combate eficazmente a segregação social que geralmente afecta as crianças órfãs.

Mais um aspecto que distingue esta instituição dos restantes orfanatos é o facto de não existir uma idade limite para as crianças viverem lá. Em vez de terem de sair ao atingirem a maioridade, as crianças das Aldeias S.O.S. sabem que podem lá viver o tempo que for necessário, até que se casem ou tenham uma vida profissional que lhes permita tornarem-se independentes – tenham que idade tiverem. Existe, no entanto, uma idade limite para as crianças que ali são recolhidas.

As Aldeias S.O.S. acolhem crianças apenas até aos 10 anos de idade, porque na pré-adolescência não é possível recebê-las neste tipo de instituição familiar, precisam de um apoio muito especial e já não se enquadram numa casa com regras de família.

Habitualmente, as crianças acolhidas são encaminhadas pelos tribunais, pelas instituições de inserção social ou mesmo pelas escolas, que reconhecem entre os alunos crianças com graves problemas familiares.

São de ambos os sexos e de todas as idades, algumas até que saem directamente da maternidade, com poucos dias de vida. As Aldeias acolhem também crianças de outras nacionalidades, que não a portuguesa.

No caso das aldeias em Portugal, é frequente recolherem crianças dos PALOP. Quando se trata de crianças com família – o que é frequente – quando isso acontece a instituição vai sempre trabalhar no sentido de reforçar os laços familiares da criança, a criança nunca perde o contacto com a família.

Depois de 40 anos de sucesso, as Aldeias S.O.S. portuguesas estão neste momento em fase de renovação. A primeira geração de mães sociais está a chegar à reforma e a associação está neste momento a levar a cabo uma campanha para novas mães sociais.

Ao contrário de outros empregos, este não pede habilitações literárias, mas sim humanas. Para ser mãe social de uma casa e uma família numa Aldeia S.O.S, segundo a Drª Mª do Céu Correia, são as mulheres mais ou menos entre os 26 ou 27 anos de idade, até aos 40, ou 42.

Pessoas com sentido de solidariedade, que se interessem pelos outros. Pessoas equilibradas, com saúde física e psíquica, que gostem da vida familiar e doméstica, pois têm de gerir uma casa e uma família, com base numa verba anual que lhes é atribuída pela instituição, de acordo com o número de crianças.

É necessária uma grande capacidade afectiva para se dedicar às crianças, tendo em conta que, por mais que se goste de crianças, por vezes elas têm problemas graves com os quais é difícil lidar. É preciso muita dedicação e sacrifício.

Aldeia SOS
Aldeia SOS

Mães sociais – 26,27 a 40,42, pessoa com sentido de solidariedade, que se interesse pelos outros, pessoa equilibrada e com saúde física e psíquica. Que goste da vida familiar e doméstica, pois tem de gerir uma casa e uma família com base numa verba que lhe é atribuída anualmente pela instituição, de acordo com o número de crianças que vivem em cada casa.

Grande capacidade afectiva, para se dedicar às crianças, tendo em conta que por mais que se goste de crianças por vezes elas têm problemas graves com os quais é difícil lidar, é preciso muita dedicação e sacrifício.

As mães sociais vivem ali a tempo inteiro, não têm um horário de trabalho fixo, vivem como qualquer mãe de família e podem gerir o tempo de que dispõem. São funcionárias, recebem um ordenado, têm férias e folgas.

Mas como qualquer mãe de família, tem toda a liberdade de movimentos e tomam conta da casa e das crianças de forma livre. Cada casa é totalmente diferente, tanto na decoração, como na cozinha, como na própria rotina.

Mas é claro que, tratando-se de crianças com todos os problemas inerentes ao abandono, seria impossível, para as mães, fazerem todo o trabalho sozinhas. Portanto, e para ajudar na educação e no acompanhamento das crianças, cada aldeia conta com uma equipa técnica de apoio formada por assistentes sociais, psicólogos e educadores auxiliares.

No entanto, e apesar da presença permanente de uma equipa, não existe um ambiente de “instituição”. Todos os funcionários, incluindo a direcção, são os “tios” das crianças.

Os idosos que vivem nos lares pertencentes à associação são os “avós”, com quem as crianças convivem normalmente, e existe ainda um regime de “padrinho”, que são os sócios da associação, que frequentemente optam por apadrinhar uma ou mais crianças, estabelecendo uma forte ligação de amizade. Os padrinhos visitam as crianças com frequência levam-nas a passear, a passar férias, etc.

Com tantas crianças a seu cargo, de que vivem as Aldeias S.O.S? Os contratos de cooperação com o estado, que cobrem cerca de um terço das despesas.

Tudo o resto provém de donativos e das quotas anuais dos sócios. Todas as casas da aldeia foram construídas por particulares. Nós fazemos campanhas de vez em quando para angariação de sócios e de donativos, e as pessoas têm sido generosas…

Actualmente, a Associação de Aldeias S.O.S. encontra-se espalhada por 131 países. Mais de 30 mil crianças vivem nas famílias S.O.S. em mais de 5 mil casas.

O sucesso deste projecto é indiscutível, e a Drª Mª do Céu Correia tem ainda particular esperança na concretização da mais recente proposta: uma aldeia S.O.S. para as crianças em Timor. A julgar pela história de sucesso desta instituição, não haverá, certamente, motivos que contrariem a criação de um aldeia num local onde é tão necessária.

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