Crónica: O direito à morte (a eutanásia)

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Crónica: O direito à morte (a eutanásia)
Crónica: O direito à morte (a eutanásia)

A Eutanásia defende o princípio da liberdade. A liberdade da dor, do sofrimento, do vazio, a fuga para o descanso eterno. E, isso não há ética nenhuma que possa combater!

A eutanásia

Viver é um direito de todos nós! A todos os humanos foi concebido o privilégio de sentir a vida, o vento, o sol, escutar os pássaros, saborear uma boa refeição, tocar num grão de areia, ver a beleza de uma paisagem, mergulhar num mundo de coisas boas. Mas, estes privilégios nem sempre acompanham o indivíduo até às últimas horas de vida.

Se uns nunca os possuíram, outros vão perdendo gradualmente estas regalias, e há ainda os restantes que os perdem de vez, e ao mesmo tempo. Morrer, ainda que possa parecer cruel, é a única solução encontrada para descansar em paz!

Muito se tem discutido acerca da Eutanásia. Ninguém a comete, ninguém a pratica, mas a verdade é que muitos são os doentes cuja morte lhes é antecipada, em prol da necessidade de aliviar a dor e concretizar um desejo ao paciente.

Embora muitos dos médicos portugueses apelem à ética, outros há que não teriam qualquer problema em praticar a Eutanásia, caso a mesma fosse permitida por lei. Para alguns é uma prática impensável, totalmente oposta aos valores regentes da medicina que, segundo alguns especialistas, centram-se em salvar vidas e não provocar mortes.

Esta ideia é de um extremismo hipócrita, pois provocar a morte num paciente é dar-lhe liberdade e, de certa forma, um descanso eterno.

O que será mais grave? Um doente infeliz, dorido, angustiado, necessitado de um pouco de descanso, e que apenas deseja libertar-se de um estado de dor insuportável, ou um médico, que assistindo ao estado do paciente, nada faz para o alterar? Em Portugal, a Eutanásia é um assunto que exige algum cuidado.

Isto porque, médicos e enfermeiros, de um lado, e população, do outro, dividem as suas opiniões sobre a prática da Eutanásia, citando valores de princípios, embora os princípios de cada um dos lados sejam de teor diferente.

Imagine-se um doente acamado, num hospital qualquer. Não fala, não consegue ouvir e está completamente desintegrado da sociedade cá de fora. Parado no tempo, um tempo que começou há muitos anos atrás, o doente não vive como um cidadão comum.

Limita-se a estar numa cama sem poder falar com ninguém, sem sentir nada, tocar, rir ou chorar. A vida não lhe trás qualquer alegria ou infelicidade, porque simplesmente já não tem vida, mas o pior de tudo são as dores.

As dores que viajam pelo seu corpo de cima a baixo, o mal estar com que acorda e com que adormece e, à sua volta, tudo continua igual, como se o tempo tivesse parado ali, naqueles anos anteriores, em que a fatalidade, adiada pelos médicos, lhe bateu à porta.

Esta é a dura realidade de muitos doentes em fase terminal e sem esperanças futuras. O direito à morte não existe, somente o direito a uma vida fictícia. O direito a descansar em paz não reside nestas circunstâncias, mas apenas um turbilhão de dores que diariamente lhe consomem o corpo.

Assim, a Eutanásia, em casos terminais, e onde o diagnóstico não possa mais evoluir sendo a cura uma mera utopia, deve ser realizada sem qualquer punição da Ordem dos Médicos ou de quem quer que seja.

O médico pode não ser o salvador da doença, mas certamente poderá vir a ser o recurso para terminar com a dor!

Na Holanda, a Eutanásia tem vindo a ser realizada de há quatro anos a esta parte, mas só esta semana é que foi legalizada naqueles país. Este é o primeiro país do mundo inteiro a aderir oficialmente ao recurso da Eutanásia, sem se prever qualquer punição.

Porém, existem regras que devem ser cumpridas: o doente tem que sofrer dores muito fortes, provenientes de uma doença que já havia sido diagnosticada, e cuja evolução não consta dos quadros clínicos. O pedido de Eutanásia deve ser formulado a um médico, embora deva existir uma segunda opinião de outro médico.

Não se trata aqui de matar ninguém! Eu, se estivesse numa cama, sem poder andar, mexer-me, sem falar, com dores horríveis, sabendo que nunca poderia sair dali, preferia morrer, como é o caso de tantos acamados que já solicitaram a morte ao seu médico.

Em Portugal, a Eutanásia é ainda um mito! Diz-se que ninguém a pratica, quando existem casos desse género, mas a maioria dos médicos afirma não a praticar. Um doente é um ser humano com vontade própria, que tem que o direito a ter uma opinião sobre a sua situação.

Quando a voz já não lhe permite dizer de sua justiça, a família deve fazê-lo tendo sempre em conta o que é melhor para o doente.

A classe médica deve continuar a seguir os mandamentos que lhes foram impostos, mas deixem o doente decidir o que é melhor para si. Se a cura das doenças e o estado de saúde está nas vossas mãos, então também está na vossa posse o culminar de um estado deprimente, nada digno, a que se submete um ser humano nestas condições.

Mas, isto é apenas a opinião de uma mera cidadã, que nada contará para o findar desta situação hipócrita. Gostariam os Exs. Senhores Drs. viverem desta forma? Talvez nesse caso a ética não pesasse tanto, como pesa para as situações daqueles que não lhes são nada…

Cronista da Mulher Portuguesa: Ana Amante

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