Crónica: Grevistas de um lado, Terroristas de outro

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Crónica da Mulher Portuguesa
Crónica da Mulher Portuguesa

Grevistas de um lado, Terroristas de outro: A greve foi o assunto do dia de quinta feira. Que o digam os motoristas profissionais e os condutores, que se depararam com filas intermináveis. Enquanto isso, a guerra continuava…

Grevistas de um lado, Terroristas de outro

Entrar em Lisboa num dia comum da semana é tarefa complicada. Ou se acorda com as galinhas, como popularmente se costuma dizer, ou então preparamo-nos para ter que estar muito tempo num “pára- arranca” desenfreado, que parece nunca mais terminar.

Claro que pode aproveitar para correr as estações todas do seu rádio, isto se for no seu automóvel, ou ouvir as conversas, nada interessantes, que se trocam pela manhã nos transportes públicos. Todavia, na quinta feira, as pessoas estavam particularmente indispostas: era o autocarro que não vinha, a fila que não avançava, e o trabalho que, com certeza, se acumulava, e logo hoje que tinha que estar no emprego a horas.

Após levar uma eternidade de tempo para conseguir colocar a viatura num “buraco” qualquer em Cacilhas, eis que me deparo com o Cais de Sodré apinhado de gente, filas enormes, e com uma vontade louca de ser rica, chamar o meu chofer particular, para me levar ao local de trabalho (bem, mas se tivesse um chofer particular, certamente seria dona de qualquer coisa e não tinha que me preocupar com as horas de entrada no emprego, mas pronto).

Toda esta confusão tinha o seu motivo na greve que os motoristas profissionais, como os de taxis e autocarros, decidiram realizar para aquele dia. E porquê? Por forma a reivindicarem as alterações às regras na estrada que, dizem eles, os prejudicam mais do que aos restantes automobilistas aquando da aplicação de multas. Estarão correctos ou errados?

A verdade é que estes motoristas têm como responsabilidade transportar-se não só a eles como muitas mais pessoas. Se estiverem alcoolizados, ou cometerem alguma transgressão ao Código da Estrada, o certo é que estão a colocar em risco a vida de outras tantas pessoas que requerem os seus serviços. Daí que o Código Penal preveja multas mais rigorosas do que antigamente para os motoristas profissionais, zelando, assim, pelo bem estar de todos.

Confrontados com essas alterações, os motoristas profissionais estiveram em protesto na quinta feira, não trabalhando, ainda que a greve não tenha tido as proporções que os sindicatos e a população previam.

Porém, e voltando ao meu dia de quinta feira, tive que ir de táxi para o trabalho, tal era a aglomeração de pessoas em volta das paragens, qual abelhas em redor de um pouco de mel, neste caso à espera da oportunidade para conseguir um lugar nos excelentes Volvos (?) que a carris disponibiliza para os seus utentes. Meti-me num táxi, após 20 minutos à espera, e travámos de mediato uma conversa, eu e o motorista.

Ele falava da greve e dizia que precisava do dinheiro, e que por isso não aderia ao protesto. Falava mesmo de ameaças de colegas, pelo facto dos restantes colegas não terem aderido à greve. “Não tenho medo! Se todos aderissem à greve era uma coisa, agora assim… isto é tudo uma cambada de selvagens!” Tive que lhe dar razão.

Fui obrigada a concordar que, em determinadas situações, o português parece estar na idade da pedra, embora a única diferença seja que naquela altura não se sabia o que era a educação. Hoje sabe-se, mas o egoísmo e ambição são bem mais fortes do que qualquer uma das regras de educação!

A conversa prosseguiu para a guerra, América, talibãs, terrorismo. “Se lá há terroristas, eles que venham cá ver ao nosso país, e depois tirem as conclusões”- argumentava o taxista. Sistematicamente nervoso, apitava nos sinais luminosos, chamava nomes aos outros condutores, alguns deles bem feios que não vou reproduzir aqui, retratando na perfeição a forma típica do português conduzir.

A conversa sobre a América prosseguiu. Falámos das vítimas americanas, afegãs, e de tantas outras vítimas das quais o mundo inteiro não fala ou, simplesmente, não conhece.

O ataque dos Estados Unidos da América é aplaudido por uns e criticado por outros, mas o importante, neste momento, é não esquecer a quantidade de civis que já morreram após os ataques americanos. Alguma coisa está mal na estrutura do ataque americano: devem eliminar-se pontos estratégicos e não vidas de pessoas. Se o que é importante é semear a justiça, então que a mesma seja feita contra o terrorismo, e nunca a vidas humanas.

No processo da guerra, e ainda que longe de nós, a miséria daquele povo é evidente. Com o mau tempo, frio, e a chuva a aproximarem-se a passos largos, os afegãos temem pela sua vida, não só devido aos ataques, como também por causa do Inverno rigoroso que se está a aproximar.

A ajuda humanitária é preciosa, e zelar pela vida de todas as pessoas do mundo inteiro, independentemente da sua religião ou estatuto social/cultural, também o é.

Lutar contra o terrorismo não é eliminar vidas humanas, ou contribuir para a morte lenta de tantas pessoas. Se o mundo se une para combater o terrorismo desta forma, mais vale repensar, uma vez mais, numa estratégia segura e infalível.

Embriagado por este género de conversas, o motorista do taxi entoa, ainda assim, um valente palavrão a um condutor que tentou meter-se à sua frente. Petrificada, calei-me, mas também alguns metros à frente era o local onde eu ia descer. Quando ia sair ainda ouvi o taxista dizer, “Olhe, a verdade é que somos todos selvagens. Um Bom Dia para si!”. O problema disto tudo é que o taxista tinha mesmo razão!

Cronista da Mulher Portuguesa: Ana Amante

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