Maria Lamas – Uma Mulher Completa

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Já considerada como a mais vibrante personalidade portuguesa deste século, Maria Lamas foi escritora e jornalista, mas acima de tudo soube viver com total liberdade e autenticidade Nasceu numa casa de província de uma família abastada em Torres Novas, no dia 6 de Outubro de 1893, recebendo na pia baptismal o nome de Maria da Conceição. Criança reservada, preferia escutar e olhar o mundo dos adultos a participar em brincadeiras.

Foi educada no Convento de Santa Teresa de Jesus, onde aprendeu línguas, pintura e bordados, embora nunca tenha chegado a completar os exames, tirando apenas o curso de liceu depois de casada.

Saiu do colégio pouco tempo antes de ser proclamada a República, em 1910, acontecimento que a marcou profundamente, sendo filha de um republicano. Mas o ano de 1910 estaria recheado de surpresas. É a altura em que conheceu o que viria a ser o seu primeiro marido num casamento de amor, um garboso oficial de cavalaria, Ribeiro da Fonseca com que casa um ano depois, ao completar dezassete anos.

Acompanhando o marido, parte para África e lá teve a primeira filha, aos dezoito anos. É a sua vivência em África que mais recorda no seu livro ‘Confissões de Sílvia’. Mas esta época leva-a a desejar mais da vida e em 1920 divorciou-se, regressando a casa dos pais com duas filhas a seu cargo.

Tomou então a decisão de ir viver para Lisboa, e para ganhar a vida decidiu dedicar-se ao jornalismo. Começou a trabalhar numa agência de notícias, depois na revista ‘Civilização’ e finalmente no ‘Século’ onde entrou, aos 36 anos, pela mão de Ferreira de Castro, sendo-lhe confiada a direcção do ‘Modas&Bordados’ que ela tenta transformar em algo mais do que uma revista para donas de casa.

A coluna que manteve durante anos no ‘Modas&Bordados’, intitulada ‘O Correio da Tia Filomena’ ficou famosa e recebia centenas de cartas, falando da condição das mulheres em Portugal, as suas revoltas e os seus sonhos.

Lidando com a elite cultural e social de Lisboa, Maria Lamas era considerada como uma das mulheres mais belas e fascinantes da capital. Excedia-se em projectos tendo sempre como metas que o impossível estava ao alcance das mãos.

O jornal ‘O Século’ era um dos expoentes máximos da cultura portuguesa na época, organizando conferências, concertos e exposições, actividades em que participou activamente. Um dos seus projectos mais famosos foi a exposição acerca da mulher portuguesa, onde apresentou teares do Minho, mesas de trabalho de mulheres como a Marquesa de Alorna e Carolina Michaelis, e onde recriou um conjunto de actividades femininas.

Outra das suas exposições que ficou célebre foi a realizada com tapetes de Arraiolos fabricados pelas presas da cadeia das Mónicas e que permitiu a estas algumas horas de liberdade, tendo sido transportadas da prisão para os salões do ‘Século’ em táxis para apreciarem os seus trabalhos.

Durante a sua vida como jornalista, acabou por casar com um homem da mesma profissão, Artur Lamas, de quem viria a ter a terceira filha, o que não evitou o divórcio, embora tenha sempre mantido o nome deste nos seus trabalhos.

Com o pseudónimo de Rosa Silvestre escreveu diversas obras infantis, como ‘Caminho Luminoso’ e ‘Para Além do Amor’, entre outros.

Mas a sua vontade de mudar as coisas não se limitou à escrita e em 1945, Maria Lamas é eleita presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, uma associação que tinha sido fundada durante a I República mas que o regime salazarista fizera por apagar. E é nessa posição que é obrigada a escolher entre abandonar o ‘Modas’, a que dedicara vinte anos da sua vida ou o Conselho, decidindo-se pela primeira opção, embora o Conselho tenha sido encerrado algum tempo depois pela P.I.D.E.

Percorre então o país para conhecer melhor a condição das mulheres e dessas viagens nasce o livro ‘As Mulheres do meu país’, que ficará como um marco histórico. Após estas obras publicaria ainda ‘A Mulheres no Mundo’ e ‘O Mundo dos Deuses e dos Heróis’.

Após o fim da II Guerra, Maria Lamas dedica-se a apoiar a candidatura do General Norton de Matos, e acaba por ser presa sob a acusação de propagar notícias falsas e pedir a libertação dos presos políticos. Esta seria a primeira de outras detenções, sendo a que mais a abalou o encarceramento solitário durante seis meses, nos anos cinquenta, que afectou profundamente a sua saúde.

Portugal sufoca-a e decide visitar outros países, na sua qualidade de membro do Conselho Mundial da Paz e em 1961 fixa-se em exílio durante oito anos na cidade de Paris. É da janela do seu quarto no Hotel Sain-Michel que durante o Maio de 1968 passou baldes de água para os jovens na rua se protegerem dos gases lacrimogéneos.

Apenas regressa a Portugal em 1970 e apoiou com todas as restantes forças dos seus oitenta anos, a revolução de Abril, que instaurou a democracia.

Volta a ser a directora honorária do ‘Modas&Bordados’ e foi uma das primeiras pessoas a receber a Ordem da Liberdade das mãos do Presidente da República.

Os seus últimos dias passou-os em Évora com uma das filhas e é lá que acaba por falecer aos noventa anos de idade, tendo perdido totalmente a audição, o que nunca foi impedimento para continuar a receber amigos e familiares, dialogando através de um pequeno bloco de notas.

Quem a conheceu de perto descreve-a como uma pessoa com a qual quem lidava sentia sempre que podia tonar-se melhor seguindo-lhe os exemplos, influindo assim, de forma subtil, na formação de muitas mulheres e também de homens, num país em que as fronteiras de posição social marcavam mais do que as personalidades.

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