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Conceição Ferreira: do real ao fantástico

Maria Conceição Galveia Ferreira

Vive há 8 anos no Barreiro, é professora, e é uma amante da natureza. Escreve desde muito cedo para adultos, mas a literatura juvenil é a paixão do momento. Vamos ao encontro de Maria Conceição Galveia Ferreira.

Natural de Moçambique, Maria da Conceição Galveia Ferreira, cresceu nos arredores de Lisboa, em Sacavém, embora tenha residido durante um tempo em Coruche, na terra dos pais. Considera-se, por isso, “uma pessoa desenraizada” e” “uma amante da natureza”. Tem publicado três livros de literatura juvenil: “João e o Segredo dos Gnomos”, “João e o Mistério da Árvore Violeta”, e “Um Sonho no Fundo do Mar”. Para breve, em Novembro, a trilogia da série “João” estará concluída com “João e o Enigma da Pedra de Ouro”.

Fomos ao encontro de Maria da Conceição Galveia Ferreira, na Biblioteca do Barreiro, zona onde reside há 8 anos, para conhecer esta professora do 2º ciclo, amante da natureza e da escrita. Quisemos saber, inicialmente, se Conceição Ferreira transporta alguma parte da sua infância para os livros: “Sim, alguma. Por exemplo, em “Um Sonho no fundo do Mar”, em que a Marina é uma espécie de maria rapaz que gosta de apanhar libélulas ou borboletas, mas que logo de seguida liberta. Eu também costumava fazer isso, era muita amiga dos animais, e até lagartas das couves apanhava. Como morava em São João da Talha, que na época era uma zona de mato, tinha uma grande facilidade em fazê-lo. Guardava de tudo o que fosse animais, e adorava acarinhar gatos selvagens que acabava por domesticar.”

Quando completou nove anos Conceição Ferreira foi morar para Sacavém. Nessa altura contou-nos que “tive um grande choque porque me afastei da natureza. Foi aí que comecei a escrever sobre a natureza, o mundo à minha volta, as relações entre as pessoas, e com a própria família”. Afirma ter começado muito cedo a ler, mas diz nunca ter gostado de ler as coisas para a sua idade: “Lia literatura de cordel, e depois comecei a distinguir a literatura de cordel da outra literatura. Devorei livros atrás de livros. Lia muito e escrevia, inclusive poesia, mas achei que nunca tinha muita vocação para esta área, porque achava aquilo que escrevia patético”.

Aos nove escreveu um diário, passando depois a escrever crónicas e histórias. Posteriormente, com apenas 11 anos, escreveu uma novela para adultos, aos 12 outra, escrevendo a sua última novela para adultos quando tinha 17 anos. Nessa idade, parou de escrever. Porquê? “Porque tive a sensação que já estava tudo dito, não tinha mais nada a dizer. Só aos 36 anos é que voltei a escrever!”. Licenciou-se em História, embora tivesse frequentado o curso de Direito porque, afirma, “tive sempre a ideia da justiça, mas desencantei-me com o Direito. Fiz História, mas de alguma forma contrariada”. Declara não ter seguido Literatura na faculdade por um único motivo: “Achava que era algo forjado. Na minha opinião, por vezes o escritor escreve sem saber porque o faz, tal como o pintor que pinta um quadro sem saber ao certo o motivo, e a interpretação fica muito ao critério da pessoa que lê e interpreta”.

Profissionalmente, gostava de ter seguido Psicologia, mas a matemática barrou-lhe o caminho. Por isso, e quando acabou o curso de História, foi dar aulas. De certa forma, dar aulas a jovens foi o impulso que precisava para começar novamente a escrever. Explicou-nos que “o contacto com os jovens foi muito importante, até porque se eu aos 11, 12 anos escrevia para adultos, aos 36 resolvi escrever para jovens. Compreendo também melhor a psicologia do rapaz de 11, 12 anos, do que a da rapariga, e é por isso que as personagens principais dos meus livros são rapazes, à excepção de um deles onde e a figura central é uma rapariga. A personagem rapaz oferece sempre mais possibilidades de acção do que a rapariga”.

Quanto aos gostos e livros juvenis da actualidade, Conceição Ferreira esclareceu-nos que “verifiquei ao longo de 14 anos de ensino que os livros com personagens centrais de raparigas não os motivam muito. Apercebi-me também que há livros que os jovens de 11, 12 anos, gostam muito, como é o caso da colecção ‘Arrepios’, mas que não têm qualquer ‘pingo’ de pedagogia. O que eu tentei fazer foi juntar a acção à pedagogia, o real ao fantástico. Portanto, nos meus livros há sempre a união do real ao fantástico, e há uma interacção entre os dois universos”. Afirma que tenta, com os seus livros, sensibilizar os miúdos para o problema da violência escolar e para a preservação da natureza.

Quanto ao primeiro problema, a violência escolar, a nossa entrevistada confessou-nos que “existe violência nas escolas. Formam-se gangs dentro da própria escola, ou fora, de miúdos que dizem ‘ou dás-me 500$00’ ou levas uma tareia’. No Algarve, por exemplo, tomei conhecimento que há uma alta percentagem de miúdos que se prostituem e se drogam. Além disso, há sempre os vários tipos de chantagem entre eles e a violência sobre os mais fracos é um facto”. Com os professores, as coisas também não funcionam na perfeição, pois, e como nos contou “os miúdos tentam sempre ver até onde é que podem ir, e medem forças com a professora. Não se pode ser muito exigente, nem mole demais. Há que saber fazer as coisas no momento certo. Porém, e enquanto não derem mais poder ao professor, todas as novas pedagogias vão acabar por cair.”

Partindo do princípio que há casos de jovens que são irremediáveis, embora outros com solução, Conceição Ferreira abordou esse assunto num dos seus livros, o seu preferido, “João e o Segredo dos Gnomos”: “O exemplo que eu dou é o caso do Mauro, uma das personagens, que aqui representa o mal. O Mauro forma um bando com outras 3 personagens, mas o Mauro não consegue recuperar, por mais que se tente, enquanto que os outros que formam o mesmo bando acabam por ser recuperados. Há que saber distinguir o que é possível daquilo que é impossível. A personagem do bisavô representa a pessoa sábia, e é alguém que acredita incondicionalmente na bondade humana”.

Confessa que há alguns atrás encontrava mais alunos vocacionados para a escrita e literatura do que agora, e o português vai também de “mal a pior”. Adiantou-nos que a aceitação do seu livro tem sido boa, e que aquilo que os jovens mais apreciam é a união do real e do fantástico. Acrescentou também estar descontente com o caminho que a literatura juvenil parece estar a levar: “As editoras não fazem grande publicidade, os meios de comunicação só fazem críticas para a literatura de adultos, e isto não acontece só comigo, mas com todos os escritores que escrevem para jovens. Parece-me que a literatura juvenil é considerada uma literatura menor. Isto constrange-me bastante porque parece que não há uma grande preocupação com a literatura, e ela começa exactamente com a infância e juventude. Não se pode esperar bons leitores na fase adulta, quando na juventude isso não acontece”.

Aprecia muito ler e escrever, mas gosta também muito de ir até à praia, local onde afirma “recarregar as minhas baterias”. José Saramago e Isabel Allende são as suas preferências literárias, e afirma desejar, um dia, vir a escrever para adultos: “Tenho muitas ideais, e uma das coisas que eu gostava era escrever sobre a mulher, a realidade nua e crua, pois nem tudo são rosas. O trabalho da mulher, a falta de dinheiro, são também problemas que fazem parte da realidade da mulher, porque os seus problemas não são só ao nível de divórcio ou de amores.”

A violência na escola e a preservação da natureza são os pilares dos livros lançados pela Verbo, e assinados pela nossa entrevistada. Ficou o desejo de conseguir levar até aos jovens não só ficção, mas também pedagogia, assim como subentendeu-se nas palavras de Conceição Ferreira o desejo de levar mais além a importância da literatura juvenil em Portugal.

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