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Mãos que vêm por Filomena Talqueiro

Filomena Talqueiro

Filomena Talqueiro tem 26 anos, reside em Almada, e é a fundadora, conjuntamente com o namorado, da Associação de Deficientes Visuais. A Mulher Portuguesa foi saber um pouco mais da vida daqueles, onde os olhos apenas observam escuridão.

A Mulher Portuguesa foi ao encontro de Filomena Talqueiro, cega desde que se recorda de ter nascido, e cuja principal ocupação e paixão predilecta são os computadores. Fundou em 1995 a Associação de Deficientes Visuais, mas desde essa altura até à presente data os apoios têm sido escassos, como conta a própria: ‘A nossa associação foi criada em 1995 e na altura tivemos o apoio de autarquias, nomeadamente da Câmara Municipal de Almada. Tivemos também o apoio de algumas Juntas, como foi o caso da Junta de Cacilhas, mas ultimamente o apoio tem sido todo da Câmara Municipal de Almada’.

Instaladas na sala da sua casa, a conversa foi prosseguindo pausadamente e Filomena parecia querer escolher as palavras certas para explicar a evolução da Associação de Deficientes Visuais: ‘ Inicialmente juntámos um grupo de pessoas e, de iníco, até parecia haver uma grande motivação. Mas depois, esse núcleo que formámos para pessoas com deficiência começou a ficar cada vez mais com menos pessoas. Muitas deixaram de aparecer, e perdeu-se a vontade para fazer as coisas’.

A Associação de Deficientes Visuais tinha objectivos bem claros e bem definidos, embora apenas alguns tenham sido levados avante. Filomena Talqueiro comentou connosco que ’a ideia do núcleo era realizarmos actividades para as pessoas com necessidades especiais, para além da sala de apoio que na altura possuímos. Hoje não possuimos sede!’. Confessando alguma ingenuidade na fase de formação da associação, Filomena desabafou que ‘houve pessoas que saíram por causa de conflitos internos e outras por causa da falta de motivação. Mas, houve uma grande ingenuidade da nossa parte, por julgarmos que as pessoas se uniriam todas pela mesma causa.’

Não gosta de falar de pessoas com deficiência por considerar a palavra muito pesada, e opta por referir-se a pessoas que, tal como ela, têm necessidades especiais. Para Filomena Talqueiro, os cegos são pessoas que ’possuem uma vida mais sedentária, por não nos deslocarmos tanto. Temos que aprender muito bem os caminhos e os sítios para nos deslocarmos e, às vezes, não o fazemos por puro comodismo. Mas, esta atitude pode vir a pagar-se, mais tarde, muito caro’.

Filomena Talqueiro nasceu prematura, facto que a levou de imediato para a incubadora, e desde essa data que nunca mais viu. As mãos são a forma de vislumbrar um pouco aquilo que se passa lá fora. Sentada a um computador com linha braille, Filomena vai descobrindo o mundo. Aprecia ouvir música, aquela que é apelidada de martelos, mas também não dispensa uma boa sonoridade portuguesa. Contudo, a sua grande paixão são os computadores.

Relativamente a este grande interesse pela informática, a nossa entrevistada acrescenta que ’De início atrapalhava-me um pouco. Escrevia coisas onde não era suposto escrever e ficava apavorada.’ Licenciada em Ciências da Educação, decidiu tirar um curso de Informática, o qual frequenta há já um ano. Quanto a este novo curso, Filomena frisa que ’a minha intenção não é tirar este curso como uma rampa de lançamento para algo, mas sim como um complemento para que possa ficar a saber ainda mais. Depois, também posso estar a estudar e a tirar o curso ao mesmo tempo’.

A Associação de Deficientes Visuais, da qual é fundadora, agrega mais de 20 sócios. Os principais gestores de todo o núcleo são Filomena e o namorado, mas a grande aposta da associação é a Internet. Realizam também pequenas férias para as pessoas, e poucas mais actividades podem executar devido à falta de apoios e desinteresse das pessoas. A página da Internet é simples, mas possui toda a informação disponível para pessoas com necessidades especiais.

A ideia de que as pessoas cegas têm os sentidos mais apurados logo à nascença é desmistificada pela nossa entrevistada: ‘Nós não temos os sentidos mais apurados de nascença. Se os possuímos é porque houve necessidade de os desenvolver. Como não conseguimos ver temos uma maior necessidade de apurar o tacto, que é o nosso principal sentido. Isto porque, o braille utiliza um código táctil e nós precisamos de dominá-lo muito bem.’

De voz serena e calma, sem grandes dramatismos, e com uma enorme vontade de fazer mais pelas pessoas cegas, Filomena Talqueiro mostra-nos como funciona a linha braille no computador. Completamente rendida às artes informáticas, a nossa entrevistada revela que é nessa área que quer trabalhar mais tarde, e que este curso é aquilo de que realmente gosta. Todos os dias vai sozinha para a Faculdade de Ciências, e assiste às aulas, conjuntamente com os outros alunos. A solução, uma vez que não pode tirar apontamentos, é gravá-las.

Um exemplo de força de vontade e de vitória sobre o lado nefasto da vida. Filomena Talqueiro, 26 anos, é a prova viva que há sempre outro caminho a seguir. Quando confrontada com a inevitável pergunta sobre aquilo que mais gostaria de ver, a resposta é peremptória: ’Gostava de ver a natureza, as caras das pessoas, e o ecran do computador. No fundo, gostava de ver a vida! Mas, também penso que ao não ver, acabo por não me deparar com coisas tristes que todos sabemos que existem…’

Sem dúvida, uma resposta sensata e claramente esclarecedora…

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