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Cátia Moraes: criámos a nossa armadilha

Escritora Cátia Moraes

Natural do Rio de Janeiro, Cátia Moraes, jornalista e escritora, é a autora do estrondoso sucesso ‘Absolvendo a Cinderela’. A Mulher Portuguesa foi falar com ela, virtualmente, até terras de Vera Cruz.

Cátia Moraes

Cátia Moraes, mãe há 10 anos, jornalista e escritora, é a autora do livro que tem feito furor um pouco por todo o Brasil: ‘Absolvendo a Cinderela’. Depois de ter escrito o manual ’Dona de casa: a profissão invisível’, a carioca surge agora com este novo ideal de Mulher. Após ter trabalhado no jornal ‘O Globo’, e na TV Manchete, Cátia Moraes trabalha actualmente como repórter e roteirista de programas sobre cultura para os canais de TV por assinatura da Globosat.

Descobrir o que está por detrás da sua motivação pela escrita, a sua opinião sobre o papel da mulher nos tempos modernos, a expansão do feminismo, entre tantos outros temas, foram alguns dos motivos de conversa entre a Mulher Portuguesa e a autora de ‘Absolvendo a Cinderela’.

O gosto pela leitura começou ainda na infância, um pouco por influência do seu pai, advogado e professor de língua portuguesa. Por isso, Cátia Moraes sempre desejou que o pai se orgulhasse do seu ‘bom português’, como afirmou à nossa revista: ‘Era um misto de obsessão e paixão pela fala e a escrita. Isso marcou a minha infância e, logo no início da adolescência, eu já escrevia as minhas poesias e textos.

Por isso, a opção pelo jornalismo foi uma consequência natural do que eu mais gostava: ler e escrever. Profissionalmente, passei por várias experiências de textos, escrevendo para jornal, publicidade, televisão e, finalmente, na maior e mais prazerosa das experiências, que foi a de escrever os meus dois livros. Foi aí é que eu descobri a minha maior e verdadeira vocação: escrever livros, fazer as pessoas reflectirem, se divertirem e se emocionarem e, principalmente, trocar ideias e experiências com os leitores. Essa troca não tem preço!!! É, na minha opinião, o que alimenta o(a) escritor(a).’

Antes de escrever este ’Absolvendo a Cinderela’, Cátia Moraes havia já editado “Dona de casa: a profissão invisível”. Destes seus dois primeiros livros, Cátia Moraes contou-nos que ’na verdade, os livros são os dois lados da mesma moeda e falam, fundamentalmente – embora com modelos diferentes de mulheres – do mesmo tema: a necessidade de resgatar a natureza feminina, tão desprezada ou renegada no processo de libertação.

Quando escrevi o primeiro livro, estava a viver um momento de vida diferente, trabalhando como freelancer e tendo uma horário mais flexível(…). Pude levar minha filha à escola, voltar a fazer ginástica e passar a lidar com as donas de casa, que eram uns verdadeiros “Etcs” (extraterrestres) para mim, até então. Fui descobrindo entre as “Etcs” pessoas interessantes, inteligentes e que eram, e são, a base emocional e “operacional” da família (…).

Hoje, são raras as que se defendem com orgulho, ou que são valorizadas com orgulho pelos maridos e filhos. O que eu quis dizer, no primeiro livro, é que eu acho isso um absurdo, uma desconsideração e uma grande injustiça com a figura da dona de casa, porque ela é a base da família, sob vários aspectos, e não pode ser tratada como uma cidadã de segunda classe. Ainda mais porque, hoje em dia, as mulheres que fazem a opção de serem donas de casa não são mais as “Amélias” de antigamente.

Hoje, elas – de maneira geral – decidem tudo junto com o marido, quando não decidem mais que o marido. Portanto, com “Dona de casa, a profissão invisível”, eu “dei a palmatória” ao preconceito que eu mesma tinha em relação a essa opção de vida e entendi, aos 37 anos (quando lancei o livro), que devemos respeitar a opção de vida de cada uma. E mais: que devemos resgatar e aplaudir a característica essencialmente feminina de saber lidar com o afecto, o amor, o carinho, o cuidado, como as donas de casa fazem com suas famílias. E acho que nós, “modernas”, temos muito a aprender com elas!’

“Absolvendo a Cinderela”, o mais recente lançamento de Cátia Moraes, é um livro que foca a condição feminina da mulher da actualidade. Hoje em dia, as mulheres são independentes, a todos os níveis, mas se alcançaram certos triunfos, mantiveram também muitas das obrigações antigas.

Do conceito de ‘mulher-Amélia’, expressão de Cátia Moraes, até ao papel de Super Mulher, a nossa entrevistada comentou que ‘saímos da postura de “Amélias”, fechadas para a vida, e passámos a ser Super-mulheres, criaturas poderosas, ousadas, arrojadas, independentes, e auto-suficientes.

Mas, agora, com tantas conquistas asseguradas, acho que está na hora de tirar a capa de “Super”, aposentar o mito da “mulher-maravilha”, e voltar a ser mulher, com defeitos e qualidades, com todas as instabilidades emocionais e hormonais que nos caracterizam.

Chega da mania de ser perfeita em tudo!’ A nossa entrevistada vai ainda mais longe e declara mesmo que ‘ haja ânimo e fôlego para ter um orgasmo que seja, depois de um dia exaustivo, quanto mais “orgasmos múltiplos”!!! Sim, porque a mulher moderna é uma pessoa, em geral, esgotada com a tripla, quádrupla, quíntupla jornada, de ter que conciliar família, trabalho, casa, ginástica, amigos, consertos domésticos, supermercado, pediatra, depilação, cabeleireiro etc. Nós criámos uma armadilha para nós mesmas, ao nos exigir tamanha perfeição em todas as “frentes”.’

Para a nossa entrevistada, a mulher precisa ‘renovar-se’ e dar a si mesma um papel mais humano, abandonando o ideal de Supermulher. Cátia Moraes gosta de assumir as suas posições, defendê-las, invocando mesmo através das suas palavras uma certa provocação. Por isso, o próprio título ‘Absolvendo a Cinderela’ foi, confessou-nos, uma certa provocação. Afinal, a própria Cinderela trabalhava bastante, embora estivesse longe de agir de forma masculinizada, como as mulheres de hoje em dia.

Desinibida e convicta das suas opiniões, a nossa entrevistada argumenta que ‘adoptámos o jeito masculino de ser, de tal forma que renegamos todas as características femininas, algumas delas associadas à figura da Cinderela, tais como a feminilidade, a doçura, a meiguice, o romantismo, a entrega, o afecto, o carinho, o sonho do grande amor.

Fazendo o mea culpa de mulher moderna, eu estou tentando absolver a minha Cinderela, no sentido de voltar a aceitar a minha própria natureza feminina, com todas as qualidades e limitações que ela tem. Acho que, o dia em que nós, mulheres, fizermos as pazes com as características femininas que temos renegado com unhas e dentes desde a revolução, certamente nos sentiremos mais plenas e em harmonia com a nossa essência’.

Ainda assim, e perante tamanhas transformações na mulher moderna, a verdade é que ela continua em busca do seu príncipe encantado, segundo Cátia Moraes: ‘a mulher continua sonhando com o príncipe encantado e vai sonhar com ele até o fim de seus dias! É claro que muitas não admitem isso, e fazem questão de dizer que podem viver muito bem sem os homens. Mas eu, francamente, não acredito nisso.

Acho que podemos, sim, viver sozinhas o tempo que for necessário e até enfrentamos a solidão melhor do que os homens, num certo aspecto. Mas, por outro lado, por que não admitir que somos umas românticas incorrigíveis, que adoramos as comédias românticas, um beijo na boca, um carinho, uma mão no ombro?

Será que não podemos ser as duas coisas: arrojadas e femininas? Acho que os homens estão a ressentir-se muito dessa ausência de feminilidade da mulher. E nós, mulheres, ficamos tão exigentes em relação aos parceiros que parece ninguém estar “à nossa altura”- declarou-nos.

Não se assumindo como feminista, Cátia Moraes confessa sempre ter tido uma postura feminista na vida. Focando um assunto polémico, por causa da dura crítica que faz às mulheres dos nossos tempos, Cátia Moraes não tem pudor em afirmar que a mulher está a ficar egocêntrica, individualista, extremamente competitiva, e distanciada, de certa forma, dos valores emocionais.

Neste seu último livro reuniu inúmeros depoimentos de mulheres que se vão apercebendo desta nova realidade: ‘No meu livro tenho depoimentos de mulheres que estão tentando “absolver as suas cinderelas”, porque chegaram à conclusão de que não adianta renegar a própria identidade. Isso não traz felicidade. E, “absolver a Cinderela” não significa apenas abrir-se para o amor, mas fundamentalmente exercer a feminilidade, reciclada pelas nossas conquistas, em todas as frentes.’- afirmou a nossa entrevistada.

Porém, ela vai ainda mais longe e foca o problema da maternidade: ‘Precisamos, também, dar-nos ao direito à licença de maternidade, coisa que várias mulheres mal vivem hoje, porque não podem ausentar-se do trabalho por quatro, cinco meses.

Isso é um verdadeiro absurdo: negar-se ao direito de ser mãe porque a vida profissional não o permite?’ Afirma nunca ter sentido qualquer dificuldade na carreira de jornalista por ser mulher, profissão aliás que é exercida maioritariamente por mulheres. Ainda assim, Cátia Moraes adianta que nos cargos executivos das empresas a presença da mulher é ainda escassa.

Confrontada com a questão do assédio sexual, confessou-nos já ter sido vítima dessa realidade por um chefe seu, um pouco alcoolizado, mas quanto a esse assunto esclarece, sem pudor algum, que’ acho que certas insinuações ou brincadeiras dos homens devem ser mesmo ignoradas, se elas não forem agressivas ou se constituírem em assédio, com ameaça de emprego. Até porque, as mulheres têm que se fazer respeitar pela sua competência, e não pelos atributos pessoais.

Acredito que a postura da mulher é que determina, em grande medida, o comportamento masculino no ambiente de trabalho. Quando o homem não sente nenhum espaço para o assédio com uma determinada mulher, ele vai desistir e partir para outra “vítima”, com a qual ele ache que possa ter algum “sucesso”. E, todos sabemos, que ainda há mulheres que usam os próprios atributos físicos para subir na carreira.’

Extremamente frontal nas suas opiniões, Cátia Moraes assegura que ‘não há como ser feliz sem estar em contacto consigo mesmo, com seus sentimentos e, principalmente, com o outro – seja ele um amor, um filho, um amigo, um colega, um conhecido.

Quando se está aberta para tudo isto e passa uma energia boa para as pessoas, essa energia volta em dobro. E, é isso que verdadeiramente interessa na vida, na minha opinião. Por isso resolvi escrever livros: é uma forma de pensar, reflectir, viver intensamente os sentimentos e jogar essa reflexão para as pessoas, os leitores, e, depois, ter uma resposta disso tudo. Essa troca é maravilhosa e é ela que move a vida.’

Leitora assídua de Machado Assis, Carlos Drummond de Andrade, ou de Érico Veríssimo (…), Cátia Moraes não poupa também elogios a Fernando Pessoa ou Eça de Queirós, embora também já tenha lido autores estrangeiros como Kafka ou Milan Kundera (…).

Da vaga de leituras feministas, destacou ‘O que as mulheres querem?’, de Erica Jong ou ‘Uma Mulher não chora’, da portuguesa Rita Ferro. Apreciadora de cinema, praticante de ténis, a nossa entrevistada não dispensa um passeio ou uma conversa com a sua filha Luísa, de 10 anos. Estar com a família e amigos, um bom vinho ou, simplesmente, ‘desfrutar de momentos em que fico sozinha, comigo mesma, saboreando a vida, pensando em tantas coisas que “viajo” sem sair do lugar’, são outros dos prazeres da carioca.

A finalizar a entrevista deixou uma mensagem interessante. ‘Mulheres, mãos à obra! Vamos começar a mudar esse mundo masculino com os nossos valores femininos, porque eles, certamente, podem trazer paz, luz, conciliação e esperança para este planeta.’ E você? Já absolveu a Cinderela que há em si?

Talvez as palavras de Cátia Moraes à Mulher Portuguesa, ou a leitura do livro Absolvendo a Cinderela’, a faça ter uma outra visão de si mesma Quanto a nós, resta-nos reflectir também e confrontarmo-nos com a realidade!

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