O Poder do Passado

Este título tem “pano para mangas” e voltará a surgir noutras ocasiões, mas hoje gostava de partilhar convosco algumas reflexões e conhecimentos da Psicologia sobre a influência do passado nas vidas de todos nós.

Estou particularmente preocupada com os efeitos negativos que o passado ainda pode acarretar no presente, e até no futuro. Longe de cultivar o passado, acredito que vale a pena conhecê-lo, consciencializá-lo, e curar o que quer que seja que ainda hoje provoca alguma espécie de sofrimento. Também não acredito que o passado nos determine inequivocamente; felizmente temos outras possibilidades, e os bons exemplos à nossa volta são inúmeros.

Numa campanha recente sobre maus tratos infantis, fomos confrontados com a frase – “um adulto maltratante já foi uma criança maltratada”.Abençoada campanha, que pôs um número alargado de pessoas a reflectir e a questionar, as formas como todos nós aprendemos a ser gente. E a forma como ensinamos os outros a ser gente.

Pela frase poderíamos pensar que se tratava de uma questão genética, no entanto, aquilo que nós sabemos hoje, é que é apenas uma questão de aprendizagem. O ser humano traz algumas características de personalidade nos seus genes, no entanto, essas só se manifestam se o meio de desenvolvimento o propiciar. As crianças aprendem acima de tudo com os adultos. E aprendem, quer o que é bom, quer o que é mau. É com os adultos que elas aprendem a amar, demasiadas vezes pouco, e frequentemente de uma “forma torta”.

Mas esses mesmos adultos já aprenderam isso com alguém. Também eles já foram educados e tratados desse modo. Foi assim que os ensinaram a ser, e é isso que eles hoje têm para dar e partilhar. Não deve haver culpa nesta questão. Ela só paralisa e impede a nossa transformação. Estamos sempre a fazer o que sabemos, o que podemos e seguramente a dar o nosso melhor. Compreender a nossa realidade é meio caminho andado para mudar o que queremos.

Aquilo que seguramente podemos fazer é reflectir um pouco sobre a nossa conduta, sobre o que já vivemos, verificar até que ponto estamos a reproduzir aquilo que fizeram connosco, e “curar as feridas” ou fazer uma “plástica nas cicatrizes”, para podermos ganhar liberdade e ser um pouco, ou muito diferentes, daquilo que os outros foram connosco.

Recentemente uma querida amiga minha, grávida de 8 meses da sua 2ª filha, confessava-me a sua grande preocupação de não fazer às suas filhas, o mesmo que a sua mãe lhe tinha feito na infância, nem o mesmo que os seus avós tinham feito à sua mãe quando ela era uma catraia. Não estamos só a falar daqueles maus tratos que põem as crianças numa marquesa hospitalar, mas também de “descuidos”, “negligências”, “abandonos”, “rejeições” “violências subtis”, como a falta de ternura, de paciência ou de disponibilidade para estar e amar, muito para além de mudar a fralda e dar a comida.

Acredito que o facto dela se questionar, e de procurar conscientemente ser uma mãe diferente da mãe dela, vai libertar as suas filhas de serem mais um elo machucado de uma corrente que se prolonga ao longo de várias gerações, até que alguém, no meio do sofrimento deseje e consiga, amar de uma forma diferente da que foi amada.

E aqui, todos nós temos algo a fazer, sejam ou não as “nossas” crianças que estão em jogo. Se elas aprendem com os adultos, quanto mais “gente crescida” houver a amar as crianças como elas precisam, (e já agora os outros adultos…) mais elas serão bem amadas e mais facilmente podem aprender a bem amar. Vale a pena plantar esta semente, mesmo que apenas cruzemos os nossos caminhos por breves segundos, pois, as crianças aprendem muito depressa.

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