Força ou fraqueza, os opostos com que nos debatemos

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Força ou fraqueza
Força ou fraqueza

Numa recente conversa informal, dizia-me uma jovem mulher que passava por uma dolorosa separação, isto passa, já estou melhor,… mas às vezes ainda fraquejo, não tenho vontade de fazer nada e ainda choro. Será força ou fraqueza?

Força ou fraqueza

Duas palavras que começam, no nosso idioma pela mesma letra e que constelam um dos pares de opostos com temos algumas dificuldades em viver.

No discurso social, a força surge associada ao positivo, ao bem, ao sucesso, ao que devemos almejar em todos os momentos, e a fraqueza surge como algo a evitar porque parece negativa, perniciosa, maligna, destrutiva e fonte de inúmeros problemas.

Seria óptimo que todos nós conseguíssemos ter consciência que estas duas qualidades existem sempre dentro de nós; seria excepcional se todos se atrevessem a viver esta realidade serenamente e que compreendêssemos os benefícios que daí advêm; seria absolutamente formidável que deixássemos de baralhar estas duas realidades…

Numa recente conversa informal, dizia-me uma jovem mulher que passava por uma dolorosa separação “isto passa, já estou melhor,… mas às vezes ainda fraquejo, não tenho vontade de fazer nada e ainda choro…”.

É claro que eu compreendi o que ela quis dizer, e entendi que ela estava também a espelhar o convencional da nossa sociedade, mas não pude deixar de me incomodar com uma coisa que me pareceu tão pouco saudável.

Não estaríamos perante a humanidade se só tivessemos vivências alegres e bonitas. Os ciclos da vida obrigam ao nascer e ao morrer, não só num sentido literal e pragmático, mas também num sentido lato e abrangente.

É preciso deixar morrer algumas características infantis, para poder nascer o adulto, é preciso deixar a contestação reactiva da adolescência para fazer emergir o ser maduro e ponderado, é preciso romper algumas relações para poderem aparecer outras, por vezes é preciso perder o trabalho para ganhar um outro mais gratificante, ou seja, parece que é sempre necessário deixar partir o velho para aparecer o novo. E isso implica morte, pelo menos simbólica.

Todos sabemos disto, e mesmo assim é sempre difícil viver as perdas ou as mudanças, tanto mais que temos sempre de contar com a nossa implacável resistência à mudança e ainda por cima nem sequer nos ensinaram a viver as tristezas como deve ser.

Há momentos na vida em que o normal e saudável é estar triste, deprimido, zangado, aborrecido, enteado ou inquieto. Há um tempo para se viver assim, para se aprender com a dor e para se ter vontade de sair dela mais forte, ou para nos habituarmos a uma realidade dolorosa e inalterável.

Tentar passar ao lado, por cima, ou por baixo destas fases, não costuma ser uma opção saudável a médio ou longo prazo. Por vezes até é preciso, para que o desespero profundo e bloqueador não nos submerge, mas não convirá fazê-lo durante muito tempo.

Os sentimentos não vividos ficam guardados dentro de nós, minando a nossa alegria e felicidade, a nossa sanidade, o nosso corpo ou as relações que estabelecemos com os outros.

Para além de termos uma vontade muito saudável de viver a felicidade, não fomos educados para encarar “produtivamente” as desventuras.

Quem tão bem tratou de nós, nem sempre aprendeu a lidar saudavelmente com o lado sofrido da vida e, consequentemente não ensinou, pelo que nos é penoso conviver com os afetos mais tristes, procurando fugir deles rapidamente, mesmo quando se impõe inexoravelmente.

Claro que há muitas e boas excepções, mas a cultura dominante não é tão amorosa. A sociedade urbana em que vivemos tem sido muito dura para todos nós, pois é pouco compassiva para com alguns sentimentos, nomeadamente os de tristeza e de dor.

Esses são frequentemente remetidos para o plano da observação contemplativa e mais distante, dos noticiários da televisão, das misérias que vivem ou passam ao nosso lado, da curiosidade mórbida de quem não consegue abster-se de ir ver um acidente.

Alguns de nós comovem-se com estes acontecimentos, mas uma boa parte já remeteu para a banalidade o sofrimento – o próprio e o alheio.

A banalização ou a negação do sofrimento são formas que temos de fazer face a ele sem ficarmos demasiado afectados e perdidos.

Na psicologia chamamos defesas aos processos que surgem quando o sofrimento é muito elevado para a capacidade que temos para lidar com ele. São estes mecanismos que nos ajudam a sobreviver a uma situação traumática. E abençoados sejam, pois sem eles, nenhum de nós aguentaria continuar a viver, em determinadas encruzilhadas da vida.

O problema surge quando as defesas nos impedem de viver. Por vezes elas são muito fortes e ativas durante demasiado tempo, obrigando-nos a perder o contacto com a nossa própria vida interior. E aqui corremos o risco de nos perdermos ou de viver pela metade, com grandes limitações e insatisfações.

São muitos os mecanismos de defesa que conseguimos emergir. Visivelmente eles podem mostrar-se quando se nega o humor triste, no excesso de trabalho, no isolamento social, na perda ou quebra das relações afectivas mais íntimas, na doença que preocupa e ocupa mais que o motivo original da defesa …

É aqui que as defesas em vez de protegerem podem atacar, impedindo-nos de viver de um modo pleno e saudável.

Espero que a nossa cultura evolua de modo a facilitar, ou pelo menos permitir a vivência dos sentimentos dolorosos; provavelmente podemos deixar de associar o sucesso à polarização positiva da vida e passar a considerar essencial o viver plenamente – e isso inclui a tristeza e a dor.

É preciso ter muita força para viver o que amarga e doi; força para reconhecer a nossa fragilidade, ou se quiserem, a nossa fraqueza; força para estar a braços com as confusões, os medos, as dúvidas, as incertezas; força para conseguir acreditar que no fim vamos sair dessa fase mais fortes, mais bonitos e mais capazes de sermos felizes. Ter força, não é não ter fraquezas.

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