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A primeira Voluntária

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A primeira Voluntária

A primeira Voluntária

Solidariedade, Direitos Humanos, Luta contra a Violência… são palavras com forte significado na vida de Maria Barroso.

A Mulher Portuguesa foi conhecer melhor a presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, mulher de “sete ofícios” com uma só preocupação: o respeito pelo ser humano.

Uma preocupação que a levou já a Timor Loro Sae. Uma visita a um cenário de horror, uma situação que a traz ” angustiada, comovida, revoltada pelas cenas que foram postas diante dos nossos olhos (…) São cenas que mostram até que ponto a irracionalidade pode ir”. O que se passa é que Timor só é comparável ao “que se passou durante a segunda guerra mundial”, aos “crimes que foram praticados contra a Humanidade e que pensávamos completamente exorcisados”.

Numa manhã de sol brilhante, tão diferente daquele que ainda não brilha em Timor, Maria Barroso apresentou-se à Mulher Portuguesa como “uma mulher vulgar, de convicções, com uma preocupação muito grande de coerência entre aquilo que prego e aquilo que faço, e uma atenção muito especial à solidariedade”.

Uma verdadeira combatente, que se define como “a primeira voluntária” da Cruz Vermelha Portuguesa, a que preside.

Maria de Jesus Barroso Soares tornou-se conhecida já lá vão longos anos, quando ainda não sonhava chegar, algum dia, a Primeira Dama de Portugal.

A “carreira” de figura pública começou-a como actriz de teatro, uma actividade que, naquela altura, conta, “exigia uma preparação mínima”. Normalmente, “não havia uma preocupação (dos actores) de adquirirem uma grande cultura, de tirarem um curso. Mas eu tinha prometido aos meus pais (…). Achava que, quanto maior fosse o grau da minha preparação, melhor seria a minha interpretação dos papéis”.

Daí que, quando decide ir estudar para a Faculdade de Letras de Lisboa, se torna num “caso” de tal maneira “inédito”, que até deu origem a um artigo de jornal. Chamava-se “Uma aluna da Faculdade de Letras no Teatro Nacional”.

Apesar da polémica, Maria Barroso não se arrependeu: “bastante mais tarde (…) fiz uma pequena experiência no Teatro Villaret, em que representei “Aspen Papers”, de James, traduzida pelo Stau Monteiro, fui ler a obra dele, não me limitei à peça”, o que ajudou bastante à representação.

Mas os anos de Maria de Jesus no Teatro não terminaram da melhor maneira. Acabou por ser afastada. “Antes de casar, fui demitida do Teatro Nacional, porque na Faculdade de Letras, eu estava também envolvida nos grupos que lutavam contra o regime (…) Era uma questão de formação.

“O meu pai era um homem que lutou muito, que esteve preso, que esteve deportado nos Açores e, portanto, eu tinha em casa um ambiente muito propício a essa maneira de ver as coisas (…) foi um pouco como o leite que se bebe quando se é criança…houve um clima e uma preocupação dos pais e dos familiares, que se transmitiu evidentemente (…). A casa é a primeira escola”.

Por isso mesmo, Maria Barroso não tem dúvidas em definir-se como uma mulher lutadora: “toda a vida me preocupei em contribuir, embora de uma maneira modesta, para que Portugal pudesse viver num outro tipo de regime que não o ditatorial em que vivemos durante 48 anos”.

Um espírito de luta acentuado ainda mais pelo casamento com uma das figuras mais emblemáticas do combate ao regime de Salazar: Mário Soares. “Estar ao lado de um homem que foi um lutador extraordinário (…) agudizou esse meu desejo de luta. Já depois de casada, cheguei a ter o meu pai, com 74 anos, e o meu marido presos ao mesmo tempo, em 1961”.

Como quem regressa, por instantes, ao passado, Maria Barroso recorda esses tempos como “muito marcantes, com certeza!”. “A situação de injustiça em que me encontrava, privada do meu marido (…) era, para mim, terrível (…) Tive que fazer de pai e de mãe dos meus filhos. Tive que substituir a figura do pai junto dos meus filhos e não foi fácil. E, sobretudo, à medida que eles íam crescendo e que viam a perseguição de que o pai era alvo, eu tinha que lhes explicar porque é que isso sucedia.

Sobretudo, uma das minhas preocupações era transmitir-lhes a ideia de que o ódio não leva a nada, pelo contrário (…) e que, portanto, o que era necessário era lutar por um país onde não houvesse perseguidos por pensarem de maneira diferente dos governantes”.

Teve que ensinar-lhes a não querer a vingança, um dia conquistada a liberdade, “contra os nossos perseguidores”.

Mas nem só este forte espírito de “combatente” define esta lutadora. Maria Barroso sorri, gesticula, e acaba por se descrever também como “uma mulher vulgar, de convicções, com uma preocupação muito grande de coerência entre aquilo que prego e aquilo que faço, e uma atenção muito especial à solidariedade”.

São preocupações que encara como “fundamentais” para todos os que a rodeiam e, sobretudo, para os mais jovens com quem trabalhou, durante muitos anos, à frente do Colégio Moderno, propriedade da família.

Actualmente, Maria Barroso é apenas a presidente da direcção do Colégio. Quem o gere, de facto, é a filha, Isabel Soares.

A maior parte do seu tempo dedica-o, por agora, à Cruz Vermelha Portuguesa, a que preside. Considera-se mesmo “a primeira voluntária”, pois “do ponto de vista material, não tenho nenhuma vantagem e isso dá-me grande orgulho, visto que esta actividade deve ser, sobretudo, voluntária”.

Na CVP, Maria Barroso funciona um pouco como a “conselheira” a quem se “recorre, quando é preciso um conselho, que orienta e que coordena todo o trabalho que se faz”.

Por isso mesmo, uma das maiores preocupações é, por estes dias, a situação que se vive em Timor. Uma situação que lhe causa “angústia, revolta, indignação perante crimes contra um povo que não teve outra “culpa”, senão a de querer ser senhor do seu próprio destino”.

E são muitos os exemplos de solidariedade que a “primeira voluntária” guarda na memória. Com a emoção estampada na voz, Maria Barroso recorda certo momento em que, depois de uma visita aos campos de refugiados de Moçambique, e com a autorização do Ministério da Educação, pediu às escolas que contribuíssem com donativos em arroz, para as crianças moçambicanas.

“Pedi um quilo de arroz a cada criança, explicando, numa carta, o que isso significava. A resposta foi extraordinária. Passado algum tempo, aqui no Colégio, estava numa aula, a falar sobre a solidariedade, a crianças do primeiro ano. Perguntei-lhes se sabiam o que era a solidariedade. E houve um dos garotos que respondeu: “Eu sei! É aquilo que nós fizémos, quando trouxemos arroz para os meninos de Moçambique!”.

Um momento único que “ajudou, com certeza, a formar uma mentalidade de paz naquelas crianças”.

Com um dia-a-dia completamente cheio, Maria Barroso admite que o facto de ser uma figura pública tem, naturalmente, reflexos na sua vida, sobretudo, quando se fala dos três netos. Confessa que gostaria de passar mais tempo com eles. Sente saudades de lhes ler poesia “dos nossos grandes poetas, como fazia com a minha neta mais velha”. Mas aproveita “todos os bocadinhos” para estar mais perto deles.

Para além da família, Maria Barroso ocupa o pouco tempo que tem livre junto dos amigos. Outro dos “hobbies” é o Cinema, com autores como Steven Spielberg no topo das preferências: “gosto muito das denúncias que ele faz das agressões aos direitos humanos em filmes como “A Lista de Schindler”. Os livros e, claro, o Teatro, estão também no leque dos gostos desta antiga Primeira Dama.

Em todos eles, um tema comum: o respeito pelos Direitos do Homem, a preocupação com o Ser Humano… afinal, a grande causa que move os passos de uma mulher cujo nome podia mesmo ser Solidariedade.

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