Natália Aragão, o testemunho de uma antiquária

2543
Natália Aragão
Natália Aragão

Natália Aragão é uma antiquária de renome. A Mulher Portuguesa foi entrevistá-la e ficou a conhecer um pouco melhor o negócio das antiguidades no nosso país.

O negócio das antiguidades tem estado na moda. Não só sobre os coleccionadores, mas também sobre o público em geral, os objectos e obras de arte antigas exercem um fascínio cada vez maior. O recurso aos antiquários para a decoração de casas novas é um hábito cada vez mais comum e o interesse pelas artes é uma das grandes apostas do novo milénio.

No entanto, os preços, a falta de informação e o medo de uma avaliação injusta afastam, logo à partida, muitos potenciais clientes.

Para que não se cometam injustiças, e para que fique a conhecer um pouco melhor o mundo das antiguidades, a Mulher Portuguesa entrevistou Natália Aragão, uma antiquária de Lisboa que nos apresentou o universo das antiguidades, visto de dentro.

Entrevista a Natália Aragão

Que apreciação faz do actual panorama do comércio de antiguidades em Portugal?

Eu penso que apesar de ter sofrido algumas quebras, neste momento encontra-se em franco desenvolvimento e goza de bastante prestígio. A comunicação social tem contribuído bastante, tem alertado as pessoas para a arte. Penso inclusive que o ano 2000 vai ser bastante bom para as artes e para as antiguidades.

O preço das antiguidade não elimina logo à partida muitos potenciais clientes?

Sem dúvida, realmente não é um tipo de comércio a que todas as pessoas têm acesso, mas também me parece que há algumas pequenas coisas que toda a gente possa comprar, desde que estejam informadas e sensibilizadas para isso.

Ultimamente tem havido muitas feiras de antiguidades, e são muito concorridas. Essas feiras representam algum tipo de ameaça para os antiquários?

Sim, tem havido feiras a mais. Mas não são uma ameaça porque nós também podemos ir a essas feiras. Eu pessoalmente não vou, porque não tenho tempo e tenho os meus clientes certos e, sinceramente, estou saturada de feiras.

Quando havia uma ou duas feiras por ano era muito mais interessante, o público acorria mais. Participei na FIL, por exemplo, mas é um trabalho que envolve muito tempo, muito pessoal, e apesar de se vender muito, acaba por não compensar assim tanto.

Onde é que os antiquários geralmente recorrem para obter as peças que vendem? A leilões? A particulares?

De todas as formas, tanto directamente com as pessoas como em leilões. Eu vou a todos os leilões, conheço e analiso quase todas as peças que são leiloadas. Mas também é frequente adquirir coisas a particulares.

Havia uma tradição que ligava muito o comércio de antiguidades aos coleccionadores. Mas hoje em dia parece que as pessoas em geral procuram os antiquários para fazerem a decoração das suas casas. É mesmo isto que se está a passar?

Eu penso que é o contrário. Hoje em dia aparecem essencialmente coleccionadores. Há pessoas que quando mobilam a casa recorrem aos antiquários para comprar uma peça ou outra. Mas cada vez mais as pessoas canalizam o seu gosto e seu interesse para um tipo em particular de antiguidades, seja por pintura, pratas, mobiliário, agora é muito comum procurarem, por exemplo, canetas antigas

Canetas? Não é um tipo de antiguidade muito vulgar

Comecei a ter canetas para venda por uma questão de gosto pessoal, e verifiquei que de facto há uma grande procura, talvez porque são objectos de fácil acesso. Não são peças de grande valor, mas são procuradas, há muitas pessoas que procuram e adquirem canetas belíssimas. Pessoas ligadas ás artes, criativos

Quais são as peças mais procuradas pelas pessoas que visitam os antiquários?

Não lhe posso dizer ao certo, porque ao longo da minha vida eu própria me tenho voltado em especial para tipos diferentes. Comecei pelas jóias, depois voltei-me um pouco mais para o mobiliário – que não é o que eu mais gosto, até porque tem o problema dos restauros, e isso já envolve muitas coisas, e eu trabalho sózinha, só tenho duas colaboradoras – depois também as pratas De momento, se me perguntar o que mais me fascina: é a pintura.

E o público, o que é que procura mais?

De tudo. De tudo mesmo. Há pessoas que procuram mobiliário para decorar a casa, em vez de comprarem móveis novos. Depois há quem procure mais as pratas, as jóias, que são vendidas frequentemente para presente. Atenção que o preço das jóias vendidas em antiquários está quase sempre abaixo do preço das jóias vendidas em ourivesarias, o que não acontece com as outras peças, como o mobiliário, por exemplo.

E quais são as peças mais raras, mais difíceis de encontrar, tanto para os próprios antiquários como para o público – e que se tornam eventualmente as mais caras?

Não acho que haja peças especialmente raras. É isso que me fascina nesta actividade, todos os dias é diferente, é que eu nunca sei, quando me telefonam, ou quando vou ver uma casa, nunca sei o que vou encontrar. Nunca se sabe o que uma família vai acumulando e o que opta por vender.

Qual é a “idade” mínima que um objecto tem de ter para ser considerado uma antiguidade?

Uma antiguidade mesmo, exige ter mais de cem anos. Mas isso é relativo. Há peças mais recentes que pelo seu trabalho, pela sua beleza, são peças muito procuradas. Tudo depende da peça em si, eu pelo menos vou muito atrás da beleza e da parte estética de cada peça, e não especialmente da idade. E aprendi ao longo dos anos que aquilo que é bonito acaba por se vender.

Às vezes há peças muitíssimo boas, muito antigas, que acabam por não se vender com tanta facilidade. Não se podem estabelecer limites. É inacreditável o que as pessoas procuram, entra muito a componente afectiva, as pessoas procuram peças que de alguma forma as marcaram no passado, ou que recordem situações ou pessoas.

Existe por vezes alguma dificuldade na distinção entre o que é uma antiguidade e o que é uma velharia. Que características é que devemos procurar numa peça para fazer essa distinção?

Eu acho que não há propriamente um limite definido entre velharias e antiguidades. Nós chamamos velharias àqueles objectos vendidos em casas de coisas em segunda mão, que geralmente estão velhas e mal conservadas e que não são de grande qualidade. Mas não é assim tão simples, os próprios antiquários têm o que nós chamamos “monos”, coisas que vão ficando e que não são vendidas.

A quem é que uma pessoa deve recorrer quando pretende desfazer-se do recheio de uma casa ou avaliar algum objecto? Aos antiquários? Aos avaliadores? A casas de leilões? Como é que as pessoas se podem defender dos famosos “barretes” que acontecem neste negócio?

Como deve calcular, isso que está a referir mexe um bocado comigo. Eu sei que é um pensamento comum à maioria das pessoas, que há “barretes”, mas não é verdade. O que eu penso que acontece é que, como em todas as coisas, há pessoas que são sérias e outras que não são sérias.

Hoje em dia, e isto é do senso comum, quando uma pessoa tem alguma coisa para vender, não pode recorrer a uma única casa, convém que visite várias de modo a poder traçar a média dos preços.

Os antiquários devem ser o primeiro passo? Ou os avaliadores?

Eu penso que sim, porque os avaliadores cobram a sua percentagem. Se uma pessoa pretende vender uma peça cujo valor não conhece, e recorre a um avaliador, ele leva logo 3% ou 4% do valor da peça. Se a peça for uma boa peça, a pessoa não tem interesse nenhum em recorrer a três ou quatro avaliadores.

A pessoa que vende tem de procurar, em vários sítos, onde lhe dão mais. Mesmo num leilão, uma mesma peça pode ser vendida por 500 ou por 3 mil contos.

O que acontece é que os antiquários também têm as suas paixões, e este negócio passa por apostar numa peça que nós não queremos deixar fugir, e pagamos muito por elas, e há outras que não nos interessam e pelas quais oferecemos pouco.

Eu, pelo menos, posso perder a cabeça por algumas peças e pagar muito mais do que elas realmente valem. Isto tem muito a ver com o gosto pessoal de cada antiquário, não se trata de enganar as pessoas. Deveria haver mais informação, este é um negócio anida muito fechado e as pessoas não estão devidamente esclarecidas.

Natália Aragão - entrevistaTrabalha neste ramo há 25 anos. Qual foi o seu percurso até agora?

Comecei a lidar com antiguidades quando algumas pessoas da família do meu primeiro marido faleceram e foi necessário começar a desfazer-nos de algumas coisas e escolher as peças que nos agradavam mais. Comecei a vender particularmente, e como isso começou a invadir a minha vida e a minha casa, comprei uma loja pequena.

Comecei por trabalhar com jóias, o que gostei muito. Hoje em dia, as jóias são menos procuradas, as pessoas não têm tanto interesse em adquirir jóias como tinham antigamente. Então. O negócio foi evoluindo de acordo com o que as pessoas mais procuram. Claro que há uma componente pessoal também. Comecei com a joalharia, depois comecei a ter alguns móveis, e agora tenho muita vontade de trabalhar, essencialmente, com a pintura.

Quantas lojas tem neste momento?

Tenho duas. Esta (no Centro Comercial da Portela) e outra no Chiado. Já tive três, e agora o que eu pretendo é ter só uma, grande, onde eu possa estar e acompanhar todo o negócio. Tenho duas colaboradoras que são imprescindíveis, mas este é um negócio que tem de ser orientado muito de perto, portanto o ideal será ter uma única loja, maior, que procuro neste momento, porque este é um trabalho que me exige muito e assim vai tornar-se mais simples.

Classificação
A sua opinião
[Total: 1 Média: 5]