Maria João Abreu, a paixão pela revista

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Maria João Abreu

Lutar por manter o espetáculo de revista vivo é o objectivo a que Maria João Abreu e José Raposo se têm dedicado. A Mulher Portuguesa quis saber como tem sido essa luta e o que leva dois artistas a entregarem-se de corpo e alma a esta batalha.

‘Tem a palavra a Revista’ é, possivelmente, o último espetáculo do genero que estará em exibição no Parque Mayer. Para que tal não aconteça, Maria João Abreu e José Raposo lutam para dignificar e manter de pé uma das mais famosas formas de entretenimento portuguesas.

Maria João Abreu

A ‘Mulher Portuguesa’ quis saber mais sobre este trabalho de Hércules que o casal tem levado a cabo e falamos com Maria João Abreu. A luta pela dignificação da revista e pelo não encerramento do Parque Mayer é a grande batalha desta artista, que se desdobra entre a televisão e a revista.

Até que a voz nos doa

‘Este tipo de espetáculo está condenado pelos nossos políticos e por muitas pessoas, por isso sentimos quase que se trata de uma luta inglória, mas não podia deixar de o fazer porque a minha escola é o teatro de revista, que amo muito.’

Este foi o primeiro desabafo de Maria João Abreu, na entrevista que nos concedeu no seu pequeno camarim. E a vontade de lutar está bem expressa na sua voz ‘Estamos muito empenhados a tentar, nem sei bem o quê, mas pelo menos a chatear os políticos, porque se não estivéssemos aqui o Parque já tinha sido deitado abaixo para colocar aqui um centro comercial e um parque de estacionamento.’ E promete ‘vamos ficar aqui até que a voz nos doa e até que o público nos deixe.’

Os resultados não podiam ser melhores, porque o público tem aderido aos diversos espetáculos ali apresentados. ‘Tem a apalavra a Revista’ já comemorou a sua 100ª edição, com sessões de autógrafos dos atores e um desfile desde o Rossio até ao Parque Mayer. ‘Em 1998 tivemos o ‘Ó troilaré, ó troilará’ sete meses em palco e foi ótimo, depois tivemos uma comédia musical, numa co-produção com a Escola de Música, também com muito boa aceitação, ambos estreados em Outubro, a época alta. O ‘Tem a palavra a revista’ foi estreado em Julho e tivemos uma ótima aceitação.’

A luta pelo Parque conta já com três anos, segundo explica Maria João Abreu, altura em que o casal se associou a Helder Freire Costa para realizar o projeto ‘em função de ficarmos responsáveis pela continuação da revista, tal como já o foram outros colegas como a Marina Mota, o Carlos Cunha e Fernando Mendes.

Não temos qualquer apoio nem subsídio, o Ministério da Cultura não dá qualquer subsídio porque acha que é um tipo de teatro menor e de elevado custo, pelo que somos aconselhados a não o fazer. Por parte da Câmara também somos ignorados. Todos os espetáculos estão nos placards eletrónicos da cidade mas o nosso não consta.’

O teatro é cultura

Muitos são os artistas que continuam a lutar pela preservação do Parque, tendo mesmo sido formada a associação ‘Revista Já’. ‘Por vontade do Dr. João Soares, que cá trouxe o arquitecto Norman Foster, este espaço já estaria transformado em parque de estacionamento, habitação de luxo e centro comercial.

Em parte até compreendo, porque isto era de uma propriedade privada, que pertencia à família Mayer que a vendeu à Braga Parques. É lógico que quem compra faz o que quer, mas o Governo e a Câmara têm de impor que o teatro é cultura. É como se de um monumento se tratasse que não pode ir abaixo.’

O alerta fica também para a transformação dos grandes espaços culturais em pequenas salas: ‘Deitam abaixo teatros enormes e fazem salas de 200 lugares, sem acústica, sem camarins, sem condições nenhumas para fazer teatro. E o teatro de revista, que é uma produção que tem elevados custos, necessita de ter uma sala com grande lotação para poder reaver o montante investido.’

Também nos dói olhar para o Parque

E qual tem sido o papel do público? ‘Acho que o público não é culpado mas afastou-se porque o espaço físico deixou de agradar. É como fazem com certos prédios de Lisboa que os deixam degradar até quase caírem para depois dizerem que ‘agora não há nada a fazer’ e construírem novas coisas.

Aqui deixaram degradar o espaço físico do Parque de propósito e por isso compreendo que às pessoas lhes custe entrar neste espaço, até a nós artistas que temos uma envolvência muito grande nos dói entrar aqui.’

A proibição de estacionamento foi mais um rude golpe para o Parque. ‘Querem fazer crer que aqui não se passa nada, que está tudo morto. Havia muita gente que vinha cá almoçar ou jantar e agora, como não pode estacionar, não vêem, e os restaurantes sofreram muito com isso.

Sei que o público está cioso deste tipo de espetáculos, basta ver a reação do público, as pessoas choram no final e pedem muito para não deixarmos morrer a revista. E penso que se isto fosse restaurado e ficasse bonito e agradável, com os quatro teatros a funcionar, com outros espetáculos, poderia fazer-se aqui uma mini-Broadway à portuguesa ou tornar isto o centro cultural de Lisboa.’

E a batalha tem sido dura para todos. ‘Andamos a fazer programas de televisão de segunda a sexta e depois investimos o dinheiro que ganhamos aqui, e às tantas uma pessoa fica exausta, estou a chegar a um estado de fraqueza que não sei se aguento isto por muito mais tempo.

A relação do casal também fica algo perturbada porque temos lutado muito e dado muito de nós para esta causa. Temos dois filhos, de 14 e 8 anos, sendo que o mais novo já participa no espetáculo.

O Miguel, o mais velho, veio para aqui com um ano, e com o Ricardo estive sempre em cena até aos oito meses de gravidez, ele nasceu e eu voltei logo a trabalhar. Quase toda a nossa vivência aqui no Parque foi acompanhada por eles, que têm um carinho muito especial por este espaço.

Um último recado

‘Ao Governo é que restaure o Parque Mayer e que faça uma réplica daquilo que era. Poderia recuperar o boxe como espetáculo, abrir livrarias, ringues de patinagem etc.. Ao público, que venha ao teatro e continue a vir para provar aos nossos governantes que o público quer e gosta do teatro de revista.’

Em relação ao futuro, Maria João Abreu mostra-se sombria: ‘Não podemos ter muitos planos porque consta que no final do ano vão entrar em obras aqui no Parque Mayer mas esperamos que, se ainda estivermos em cena com a revista, a Câmara não nos despeje.

Ou que arranje um espaço alternativo. Mas vamos continuar a fazer pressão para que deixem os teatros viver.’

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